sábado, 14 de maio de 2011

o negativo em marx

sobre o texto de benoit

do que se trata realmente
Um exemplo claro deste procedimento pode ser obtido na demonstração feita por Marx a respeito da origem da mais-valia ou da transformação de dinheiro em capital, trata- se de um processo que se opera na órbita da circulação e não se opera nela2 . Esse processo situa-se numa região negativa, pois, não é idêntica a nenhum dos gêneros ou pólos que entram na relação. Trata-se de uma região cuja identidade plena se dissolve contraditoriamente, trata se de um ente que, em certo sentido, não-é. Mas, como compreender tal não-ser que ao mesmo tempo é ou participa do ser?


hegel e o nada
De fato, a Ciência da Lógica já nas suas primeiras páginas nos dá um exemplo dessa noção de “transpassar” que caracterizaria o negativo em Marx. Hegel parte do ser puro ser, ou seja, aquilo que não possui qualquer determinação. Este ser, em sua imediatez indeterminada, diz ele, “é somente igual si mesmo” (ist es nur sich selbst gleich)3. Este ser indeterminado, por não possuir nenhuma determinação seria igual ao nada4. Com isto teria havido um transpassar, o transpassar do ser ao nada. Assim, do ser indeterminado Hegel realiza o transpassar ao nada e deste, pela própria constatação de que ocorreu um transpassar, se deduz o devir5. A verdade não seria nem o ser, nem o nada, mas o próprio transpassar, o transpassar ao devir.

Realmente, pensamos que esta dedução que abre a Ciência da Lógica carrega em si sérios problemas. Do ser puro ser, sem nenhuma determinação, pode-se, como faz Hegel dizer que este ser é igual ao nada. Mas, isto seria repetir a dialética de Parmênides tanto aquela expressa no Poema, como aquela reproduzida no diálogo Parmênides de Platão. O Ser-Um de Parmênides, como pura indeterminação, como total univocidade, não recebe nenhuma predicação.

Afinal o que predicar do Ser? Somente algo que não-é! O Ser-Um seria, portanto, na sua univocidade absoluta, igual ao nada. Mas, do Ser-Um que é igual ao nada, nada surge, não ocorre devir algum, não ocorre nenhum transpassar, e assim, nenhum devir. Aliás, não por acaso a escola eleata-parmenideana era conhecida como a escola dos imobilistas, ou seja, aquela que negava a existência do movimento7.

Segundo esse personagem, cada um dos gêneros é o mesmo que si e outro que os outros. Esta afirmação parece-nos fundamental e a repetimos: cada gênero é o mesmo que si (é igual a si próprio) e cada gênero é outro que os outros gêneros. Vejamos detidamente o que significa esta afirmação quando aplicada ao gênero Ser. Teremos os seguintes enunciados: 1)“O Ser é o Mesmo que si e Outro que o Movimento”; 2) “O Ser é o Mesmo que si e Outro que o Repouso”; 3)”O Ser é o Mesmo que si e Outro que o Outro”; 4)”O Ser é o Mesmo que si e Outro que o Mesmo”.

Mas, que significa esta última afirmação? Que significa dizer “O Ser é o Mesmo que si e Outro que o Mesmo”? Nesta última proposição chegamos a algo fundamental: o Ser quando é, e para que seja ser, precisa entrar em relação com outro gênero, o gênero do Mesmo. Que significa isto de tão importante? Significa sustentar que quando o Ser é igual e idêntico a si mesmo, o ser já é outro, o ser entra em relação de transpassamento com outro gênero, o gênero Mesmo.

Ao contrário de Parmênides e de Hegel, portanto, o Estrangeiro de Eléia deduz o gênero Mesmo como outro gênero diferente que o Ser.

Assim, quando Hegel diz “ser, puro ser, somente igual si mesmo” e chega ao nada, Hegel deixa de deduzir o “mesmo”, ‘salta” a dedução do mesmo, e permanece numa dialética parmenideana. O Estrangeiro de Eléia, ao contrário, quando diz, “ser puro ser igual si mesmo” está já realizando um transpassar, um transpassar entre o ser e o mesmo, e esse transpassamento é não-ser, ou antítese imanente ao próprio ser. Ou seja, o ser é posto como contraditório já na imediatez de sua identidade!

a história universal seria a história universal de formação da grande contradição fundante do capitalismo
Como descreve Marx, sobretudo, em trecho dos Grundrisse conhecido como “Formações econômicas pré-capitalistas”10, a história universal que precede o capitalismo seria exatamente a história da constituição da grande contradição fundante do modo de produção capitalista, aquela contradição entre o capital e o trabalho.

Vemos, assim, que a noção de negativo, enquanto contradição, não somente se dá historicamente, como o transpassar contraditório da luta de classes, como também, é exatamente essa noção histórica do negativo que impulsiona as diversas outras contradições descritas por Marx na instância categorial. Os diversos “transpassamentos” categoriais.

Nesse sentido, desde as primeiras páginas de O capital, desde a circulação simples, como pressuposto de todas as contradições iniciais ali descritas, existe um motor propulsor que é o transpassar negativo da luta de classes. Um primeiro motor, que não é imóvel.

Da mesma forma, apesar de utilizar a expressão, para Marx, jamais o valor seria propriamente o sujeito automático da valorização do capital. Jamais o valor seria um sujeito independente, automático, que vive por si, sem suas determinações particulares e sensíveis.

Assim, o negativo em Marx não é nenhuma categoria metafísica, mas sim, uma região antitética e contraditória determinada, aquela do transpassar histórico da luta de classes.

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