AS FONTES DE RENDA E A EFETIVIDADE NECESSÁRIA
Caminhamos, agora, para o desfecho final da crítica do sistema de produção capitalista operado
por Marx. Sabemos, até agora, que as determinações tal qual surgem na superfície do sistema social
constituem, ao mesmo tempo, a manifestação e a inversão das leis internas do capital. Vimos como a
taxa de lucro é uma efetivação da taxa de mais-valia, mas, porém, a taxa de lucro constitui, em si, uma
abstração que coloca as possibilidades lógicas para a dedução da taxa média de lucro. Este transcurso é
que trouxe à luz de fato a concorrência como efetivação das leis da exploração, contidas em amplitude
e profundidade no Livro I. Assim, os níveis mais altos de abstração se realizaram como relações
concretas entre os diversos capitais. Cabe agora, para nossos objetivos, analisar como surge a renda
fundiária, passo final para que tenhamos em mãos as ferramentas necessárias para o nível mais alto de
efetividade do sistema capitalista, ponto no qual coincide com a relação entre as três classes
fundamentais.
5.1 A ORIGEM DA RENDA FUNDIÁRIA
Sabe-se que a propriedade fundiária, tal como surge no capitalismo, é resultado de um processo
histórico no qual se desintegraram as relação feudais e servis do sistema feudal. Neste sentido, seu
fundamento lógico e histórico se encontra junto com o surgimento do próprio capitalismo: na
acumulação originária. Entretanto, do ponto de vista da lógica interna do sistema produtivo moderno,
seria inapropriado teorizar sobre a renda fundiária já no Livro I. Isso porque ali, no momento mais
abstrato da análise, se colocam somente as leis universais do sistema, justamente pelo fato de que, “em
certo nível de desenvolvimento, ela aparece como supérflua e prejudicial, mesmo da perspectiva do
modo de produção capitalista” (C. III, vol. V, p.17). Assim, a renda fundiária não se situa como
determinante para as leis do capital. Nosso intuito aqui, portanto, é demonstrar, em linhas gerais, os
motivos pelos quais a renda fundiária só é tratada no momento logo anterior à teorização final de Marx
sobre o sistema produtivo.
Apesar do fato de a propriedade fundiária se mostrar como um 'mal necessário', o sistema
capitalista deve apoderar-se dele, submetê-lo às suas leis, uma vez que “a forma em que o incipiente
modo de produção capitalista encontra a propriedade fundiária não lhe é adequada” (Ibid., p.113). Para
tanto, o capital opera uma “subordinação da agricultura ao capital” (Ibid., ibidem), de modo que “a
exploração da agricultura é feita por capitalistas, que de início só se diferenciam dos demais capitalistas
pelo setor em que seu capital está investido” (Ibid., p.111). Deste modo, todas as formas feudais da
propriedade da terra, “a propriedade fundiária feudal, a propriedade do clã ou a pequena propriedade
camponesa comunal”, todas estas passam a ser “transformadas na forma econômica adequada a esse
[capitalismo] modo de produção” (Ibid., p.113). O modo como isso ocorre consiste em que a terra
passa a representar “apenas um tributo em dinheiro que, por meio de seu monopólio, ele [proprietário
fundiário] arrecada do capitalista industrial, o arrendatário” (Ibid., ibidem). A participação do
proprietário fundiário, portanto, passa a ser fundamentada no seu monopólio sobre parte do globo
terrestre, e deste modo, então, “a propriedade fundiária recebe sua forma puramente econômica” (Ibid.,
ibidem). O 'tributo em dinheiro' que o arrendatário paga ao proprietário fundiário , “essa soma de
dinheiro se denomina renda fundiária (…) a forma em que a propriedade fundiária se realiza
economicamente, se valoriza” (Ibid., p.114). Neste sentido, se a renda fundiária é a forma tal
como ela 'se realiza economicamente, se valoriza', podemos dizer que “Toda renda fundiária é maisvalia”,
ou pelo menos deve ser “produto de mais-trabalho” (Ibid., p.125). Dado, porém, que a
agricultura, mineração, ou outra atividade econômica baseada na propriedade fundiária passa a ser
somente mais um setor da economia capitalista, desprende-se disso que “parte da mais-valia gerada
pelo capital recai no proprietário da terra” (Ibid., p.111). Entretanto, as mercadorias produzidas com
participação da renda fundiária seguem a leis gerais dos outros setores, ou seja, “seus preços de venda
são iguais a seus elementos de custo (…) mais um lucro, determinado pela taxa geral de lucro”, de
modo que os “produtos da terra ou produtos da mineração são vendidos, como todas as outras
mercadorias, por seus preços de produção” (Ibid., p.129) Diante disso, o próprio Marx indaga:
“Pergunta-se então como, nessa hipótese, pode desenvolver-se uma renda
fundiária, ou seja, como parte do lucro pode transformar-se em renda fundiária,
e, por isso, parte do preço da mercadoria recair para o proprietário da terra”
(Ibid., ibidem).
O ponto nodal, no qual Marx irá empreender a dedução da renda fundiária, consiste na
produtividade do trabalho que a posse de parte do globo terrestre possibilita para os capitalistas que
investem nos setores ligados à propriedade da terra. Neste sentido, apontam-se as forças naturais como
fatores determinantes desta maior produtividade do trabalho ligado à terra, como quedas d'água, terras
férteis, minas abundantes, entre outros. Não importando as especificidades que determinadas parcelas
de terra oferecem para a produção capitalista, o fato é que se trata, em todo caso, de uma “maior força
produtiva natural do trabalho, ligada ao aproveitamento de uma força natural” (Ibid., p.132). O capital
se apropria do valor de uso que estas forças naturais promovem no intuito de uma maior produtividade
do trabalho empregado para a produção de mercadorias. Entretanto, essa “maior força produtiva do
trabalho por ele empregado não se origina do capital ou do próprio trabalho”, isto é, “não de uma força
natural que está à disposição de todo o capital na mesma esfera da produção (…) Mas de uma força
natural monopolizável” (Ibid., ibidem). Ou seja, os desenvolvimentos dos meios de produção, por
exemplo, a utilização do vapor, ou da eletricidade, etc., consistem em revoluções técnicas e científicas
que está a disposição de todo capital que empreenda em determinada esfera da produção. Essas forças
físicas e químicas não podem ser monopolizáveis, ao menos não tal como acontece com a propriedade
da terra, que “só está à disposição daqueles que dispõem de certos trechos do globo terrestre e seus
anexos” (Ibid., ibidem).
É a partir disso que Marx deduz a renda fundiária, pois a “renda fundiária não se origina da
elevação absoluta da força produtiva do capital empregado (…) mas se origina da maior fertilidade
relativa de determinados capitais individuais” (Ibid., p.133). Baseado, portanto, na maior produtividade
que determinados 'trechos do globo terrestre' oferecem à aplicação da força de trabalho é que deve
surgir a renda fundiária. Já se analisou no Livro III como os métodos de aumento da produtividade do
trabalho oferecem oportunidades para determinados capitais produzirem suas mercadorias com um
preço de produção relativamente menor que o preço de mercado, oferecendo a estes um lucro
individual maior que o lucro médio de sua esfera produtiva. Nisto se baseava, como vimos, a
possibilidade do sobrelucro. Do mesmo modo, é nisto que se baseia a renda fundiária. Uma vez que o
“trabalho aqui empregado é mais produtivo”, do ponto de vista de um capital individual “isso se coloca
de tal modo que o preço de custo da mercadoria é menor” (Ibid., p.130), produzindo um sobrelucro
relativo ao lucro médio da classe capitalista. Do mesmo modo como funcionava o mecanismo do
sobrelucro na concorrência entre capitais diversos, aqui a regra é a mesma, de modo que o “sobrelucro
é, portanto, também igual à diferença entre o preço individual de produção desse produtores
favorecidos e o preço social geral” (Ibid., ibidem).
O que salta aos olhos, para os nossos propósitos, consiste em que a renda fundiária não poderia
ser deduzida logicamente diretamente do Livro I, como indicamos no início deste item, a partir da
teorização imediata da acumulação originária. Seria necessário todo o transcurso até o momento em
que se coloca a efetivação da taxa média de lucro, pois sem esta não seria possível deduzir logicamente
a possibilidade do próprio sobrelucro. Ou seja, “Para poder falar de um excedente sobre o lucro médio,
esse lucro médio deve servir de norma” (Ibid., p.230) previamente teorizada. Novamente, insistimos
que a ordem lógica rigorosa de exposição não é casual, não se tratando somente de uma escolha da
colocação dos temas para facilitar o acesso à compreensão do sistema capitalista. O método expositivo,
através do qual passa-se do abstrato ao concreto, exige a colocação das condições lógicas para dedução
das determinações que vão surgindo em seus diversos níveis de efetividade.
5.2 A TOTALIDADE DO SISTEMA DO CAPITAL
Com a dedução da renda fundiária a partir de sua origem lógica na taxa média de lucro,
chegamos assim às “três classes que constituem o quadro da sociedade moderna: trabalhador
assalariado, capitalista industrial, proprietário fundiário” (Ibid., p.114). Atingiu-se o ponto mais alto de
efetividade das leis internas e universais do sistema, o ponto culminante no qual o todo da sociedade
está colocado em seus pressupostos e resultados. A sociedade, em sua totalidade, significa que temos
em mãos as rendas de todas as classes sociais que determinam as esferas do sistema produtivo,
atingindo, por isso, “a fórmula trinitária que compreende todos os segredos do processo de produção
social” (Ibid., p.251).
Deparamo-nos, neste nível mais concreto do sistema, com suas fontes de rendimento
particulares: capital-lucro, terra-renda fundiária, trabalho-salário. Estas três classes, que constituem a
fórmula trinitária, devem conter em si todas as leis e 'todos os segredos' do sistema capitalista e suas
esferas: produção, circulação, distribuição e consumo. Entretanto, a relação que se estabelece entre ele
é “à primeira vista muito mística” (Ibid., p.252), de modo que, aparentemente, “as supostas fontes da
riqueza anualmente disponível pertencem a esferas totalmente díspares e não têm a menor analogia
entre si” (Ibid., p.251). Para a compreensão desta mistificação das fontes de renda, é frutífero analisar,
no que tange ao capital, o fato de sua forma de renda deixar de ser tomada como lucro, e passar a ser
encarada na forma de juro. Isso porque, como juro, o capital se torna capital-mercadoria, isto é,
diferenciando-se de dinheiro e mercadoria. Estas duas formas podem alternar-se no ciclo do capital,
tomando a forma de capital e deixando-a, por exemplo, quando o trabalhador gasta seu dinheiro,
comprando mercadoria para seu consumo próprio: nesta transação, dinheiro e mercadoria não têm a
forma de capital. Porém, “A coisa é diferente com o capital portador de juros, e justamente esta
diferença constitui seu caráter específico” (C. III, vol. IV, p.258). O prestamista, com capital a juro,
lança seu dinheiro no mercado diretamente como capital, e isto “não só como capital para si mesmo,
mas também para outros” (Ibid., p.259). O dinheiro que se lançou como capital-mercadoria, isto é,
capital a juro, deverá realizar uma valorização própria independentemente do uso que se fez dele, de
modo que o
“Ponto de partida e ponto de retorno (…) aparecem assim como movimento
arbitrários, mediados por transações jurídicas e que ocorrem antes e depois do
movimento real do capital, e que nada têm a ver com o próprio” (Ibid., p.262).
O capital a juro surge, assim, como dotado de uma capacidade inata de gerar dinheiro, e isto na
forma mais elevada possível, como um autômato, e de tal maneira que
“O movimento característico do capital em geral (…) recebe no capital portador
de juros uma figura totalmente externa, separada do movimento real de que é
forma” (Ibid., ibidem).
Veja-se como Marx emprega o termo 'capital em geral', e isso não casualmente, pois, como já
sabemos, a dimensão do capital em geral compreende todas as relações essenciais do sistema produtivo
do capital, de forma que na figura de capital a juro, todas estas mediações são anuladas, reduzidas à
uma abstração no sentido pernicioso, isto é, não no sentido dialético-conceitual que põe as condições
lógicas de possibilidade a partir do que se desenvolve todo o sistema, mas uma abstração que nega o
real como processo de efetividade das potências internas. Não é por acaso que “No capital portador de
juros, a relação-capital atinge sua forma mais alienada e mais fetichista” (Ibid., p.293). A transformação
do lucro em juro, no que toca a análise das fontes de rendimento das três classes, é fundamental.
Sabemos já que, no processo em que a mais-valia se torna lucro, e este lucro médio, “isso oculta cada
vez mais a verdadeira natureza da mais-valia e, daí, o verdadeiro mecanismo do capital”, de tal modo
que “Os próprios lucros médios normais parecem imanentes ao capital, independentes da exploração”
(C. III, vol. V, p.261). Porém, ainda que apagando as relações internas, “no lucro, fica sempre uma
lembrança, quanto à sua origem, de que, no juros, não só é apagada, mas é colocada numa forma firme
oposta a esta origem” (Ibid., ibidem). O lucro
“se apresenta como se originando não da função de exploração do trabalho
assalariado, mas do trabalho assalariado do próprio capitalista. Em oposição, os
juros parecem então ser independentes, seja do trabalho assalariado do
trabalhador, seja do próprio trabalho do capitalista, como que se originando do
capital como sua fonte própria e independente” (Ibid., ibidem).
É por isso que, no capital a juro, a “mediação é apagada, invisível, não está diretamente
implícita (..) [e] seu retorno como capital
parece depender do simples acordo entre prestamista e
mutuário” (C. III, vol. IV, p.262). O que neste ponto surge referente somente à fonte de rendimento do
capital, é a estrutura lógica da mistificada relação entre as fontes de rendimento das três classes entre si,
ou seja, apaga-se a mediação entre elas. Neste sentido, o que aparece na consciência dos agentes sociais
é que
“Capital, propriedade fundiária e trabalho aparecem para aqueles agentes da
produção como três fonte distintas e independentes (…); ou seja, dos quais não
só se originam as diferentes formas desse valor como rendimentos (…), senão
esse mesmo valor e, com ele, a substância dessas formas de rendimento” (C. III,
vol. V, p.257).
Essa autonomização das classes se fundamenta, portanto, na aparência de serem as bases
independentes de suas fontes de rendimento. Parecem criarem para si, a partir de si mesmas em seu
isolamento, os valores que adquirem enquanto classes sociais. As relações recíprocas, as mediações do
processo social de produção que gera e distribui os valores segundo a participação De cada classe neste
mesmo processo social, é anulada. Entretanto, mesmo inseridas na ilusão de serem autônomas, e
“por mais díspares que possa aparecem em geral, elas todas têm uma coisa em
comum: o capital rende (…) lucro para o capitalista; o solo, renda fundiária para
o proprietário da terra, e a força de trabalho (…) salário para o trabalhador”
(Ibid., p.256)
Todas elas têm, portanto, de uma forma ou de outra, a característica de adquirirem um valor que
corresponderia à substância de seu rendimento. O fator principal, deste modo, está justamente na
compreensão desta substância de valor, de tal modo que aparece como sendo díspares, como três
substâncias que formam três fontes de rendimentos diversas. Na representação, ou seja, tal como surge
na consciência dos agentes sociais,
“(...) o capital fixa na forma de lucro uma parte do valor (…), a propriedade
fundiária fixa uma outra parte na forma da renda e o trabalho assalariado fixa
uma terceira parte na forma de salário: e exatamente mediante essa
transformação se convertem nos rendimentos do capitalista, do proprietário da
terra e do trabalhador, mas sem criar a própria substância que se transforma
nessas diferentes categorias” (Ibid., p.257).
Se devemos focar na origem das fontes de rendimento, trata-se, portanto, de ir a fundo na
substância do valor que forma suas rendas. Assim, na afirmação da autonomia das classes sociais entre
si, o que está oculto é a substância que constitui seus rendimentos. A distribuição entre as classes parte
já das fontes de rendimentos, não explica justamente sua origem oculta, mas, “Pelo contrário, a
distribuição pressupõe a existência dessa substância, ou seja, o valor global do produto anual”, que, em
última instância, “nada é senão trabalho social objetivado” (Ibid., ibidem). Esta é a falha que Marx
aponta na Economia vulgar e, também, “nas concepções dos agentes presos dentro das relações
burguesas de produção”, e justamente “Por isso é que ela não tem a menor noção de a trindade da qual
parte (…) são três composições
prima facie impossíveis” (Ibid., p.253). As concepções da qual partem,
isto é,
prima facie, são impossíveis, pois, apesar de “Parecer que o correto é começar pelo real e pelo
concreto, que são a pressuposição prévia e efetiva”, isto é, “em Economia, por exemplo, começar-se-ia
pela população”, ou “as classes que a compõem”, isto, entretanto, “graças a uma observação mais
atenta, tomamos conhecimento de que isto é falso”, uma vez que “estas classes são uma palavra vazia
de sentido se ignorarmos os elementos em que repousam” (PC., p.116). Marx reduz esta compreensão
que toma as classes sociais autonomamente ao absurdo:
“Primeiro temos o valor de uso
terra, que não tem nenhum valor, e o valor de
troca
renda: de tal modo que uma relação social, concebida como coisa, está
posta em relação com a Natureza; portanto duas grandezas incomensuráveis, que
precisam guardar entre si uma proporção. Depois
capital – juros. Se o capital é
compreendido como certa soma de valor (…), então é
prima facie bobagem em
que um valor deva ter mais valor do que realmente tem” (C. III, vol. V, p.253).
Na continuidade, retoma o que afirmamos ser a lógica da crítica operada por Marx:
“Exatamente na forma: capital – juros desaparece toda mediação e o capital fica reduzido a sua fórmula
mais genérica, mas, por isso mesmo, em si mesma inexplicável e absurda” (Ibid., p.253-254). Assim, a
substância que compreende os rendimentos parece ser um resultado provindo das classes já tomadas
inicialmente em autonomia. Porém, “o valor não se origina de uma transformação em rendimento: ela
tem de existir antes de (…) assumir essa configuração” (Ibid., p.286). Mas qual é o valor a partir do
qual tem origem as fontes de rendimento? Este valor deve necessariamente ser produzido socialmente,
uma vez que “o capital não é uma coisa, mas determinada relação de produção, social” (Ibid., p.251).
Sabemos que a substância do valor é o trabalho, e, por isso, a fonte real de valorização do processo
produtivo se encontra na força de trabalho, uma vez que os meios de produção somente transferem seu
valor ao produto, não gerando valor novo. Assim, a única fonte a partir do qual podem ser deduzidas as
fontes de rendimento das classes sociais está na “parte global do valor das mercadorias em que se
realiza o trabalho global dos trabalhadores”, e deste modo “o valor global do produto anual que esse
trabalho cria, se decompõe no valor do salário, do lucro e da renda” (Ibid., p.264). Deste modo, não é
difícil inferir que “O valor de todos os demais rendimentos tem, assim, um limite” (Ibid., p.280),
determinado pelo “máximo físico da jornada de trabalho” (Ibid., p.281). Isso se torna mais detalhado na
medida em que a jornada de trabalho, como apontado no Livro I, se divide em trabalho pago e nãopago:
“O limite absoluto da parte do valor que constitui a mais-valia e que se resolve
em lucro e renda fundiária está, portanto, dado; ele é determinado pelo
excedente da parte não-paga da jornada de trabalho sobre sua parte paga,
portanto pela parte do valor do produto global em que esse trabalho se realiza”
(Ibid., ibidem).
Se o limite das formas de rendimento é dado pela jornada global de trabalho, então mostra-se às
claras que não há independência entre as fontes de rendimento. Denota-se, ao mesmo tempo, que todo
o desenvolvimento do sistema parte das condições lógicas de possibilidade colocadas no Livro I. Isso
fica mais claro à medida em que compreendemos serem as fontes de rendimento originárias do valor
realizado no 'produto global em que esse trabalho se realiza', isto é, da mercadoria: “A parte global do
valor do produto anual que o trabalhador cria ao longo do ano se expressa, portanto, na soma anual de
valor dos três rendimentos” (Ibid., p.264), sendo, por isso, “correto dizer que o valor da mercadoria
(…) decompõe-se constantemente em três partes, que constituem três formas de rendimento: salário,
lucro e renda” (Ibid., p.276-277).
Entretanto, Marx esclarece que isso não significa ser a mercadoria resultado dos três
rendimentos, de modo a “considerar salário, lucro e renda fundiária agora como elementos
constitutivos, de cuja conjugação ou soma surja o preço regulador (…) das próprias mercadorias”
(Ibid., p.282). Se assim fosse, isso significaria que o preço da mercadoria seria resultado “a partir da
adição dessas três grandezas independentes”, isto é, das três fontes de rendimento, de modo que “o
preço de cada uma dessas três partes seria determinado de maneira autônoma” (Ibid., ibidem). Muito
pelo contrário. O que temos em mãos consiste em que ocorre uma inversão entre pré-condição e
resultado , onde o “resultado aparece por isso constantemente como sua pré-condição, assim como suas
pré-condições aparecem como seus resultado” (Ibid., p.288). A origem disso consiste em que
“O segredo de por que esses produtos da fragmentação do valor-mercadoria
aparecem constantemente como os pressupostos da formação do próprio valor é
simplesmente o de que o modo de produção capitalista, como qualquer outro,
não só reproduz constantemente o produto material, mas também as relações
sócio-econômicas, as categorias econômicas sob as quais se cria esse produto”
(Ibid., ibidem).
E mais, no que toca diretamente ao nosso problema entre as dimensões internas e abstratas do
sistema e aquela mais concreta e aparente:
“A ilusão da inversão tem de se reforçar tanto mais quanto mais a determinação
da grandeza relativa das três parte entre si obedece as leis heterogêneas, cuja
conexão com o valor das próprias mercadorias e cuja limitação por meio do
valor das próprias mercadorias de modo algum se mostra na superfície” (Ibid., p.
286).
Essa ilusão, por sua vez, tem origem diretamente na problemática que já apontamos sobre a
concorrência ser uma força que ao mesmo tempo efetiva as leis internas e as inverte na superfície do
sistema social capitalista:
“Essa ilusão surgiria necessariamente porque no movimento real dos capitais
individuais e de seus produtos-mercadorias o valor das mercadorias não aparece
como anterior à sua decomposição, mas, pelo contrário, os componentes em que
eles se decompõem é que funcionam como se fossem anteriores ao valor das
mercadorias” (Ibid., p.287).