quarta-feira, 6 de março de 2013

O CONCEITO DE TRANSIÇÃO OU RECEITAS DO FUTURO?


Hector Benoit 1

Resumo: Procuramos discutir o conceito de transição de Marx e mostrar como, para ele,
este conceito é incompatível com uma teoria de transição detalhada do futuro. Nesse
sentido, mostramos como há proximidade entre os socialistas utópicos, combatidos por
Marx desde as páginas do Manifesto e aqueles que, posteriormente, diversas vezes,
procuraram elaborar uma nova teoria de transição, pretensamente complementar àquela de
Marx.
Palavras-chave: conceito de transição, teoria de transição, programa de transição


CONCEPT OF TRANSITION OR RECIPIES OF THE FUTURE?

Abstract: We made an effort to discuss the concept of transition of Marx and show how for
him this concept is incompatible with a detailed theory of transition of the future. In such a
way, we demonstrated the existent propinquity between utopian socialists opposed by Marx
since the pages of the Manifest and those that, lately, many times, tried to elaborate a new
theory of transition, supposedly complementary to that one of Marx.
Keywords: concept of transition, theory of transition, program of transition

No posfácio da segunda edição de O capital, datado de janeiro de 1873, observa
Marx a incompreensão a respeito do método dialético dessa obra, e comenta, ironicamente,
a resenha escrita por Roberty, um discípulo de Augusto Comte. Escreve Marx: “a Revue
Positiviste me acusa de que eu, por um lado, trato a Economia metafisicamente e, por outro
– adivinhem!-, de que eu me limitaria à mera análise crítica do dado, em vez de prescrever
receitas (comteanas?) para a cozinha do futuro (für die Garküche der Zukunft)” 2. Mais
adiante, no mesmo posfácio, comentando outra resenha, aquela que havia sido publicada no
Correio Europeu, de Petersburgo, Marx cita trecho no qual apareceria de forma precisa a
descrição do seu verdadeiro método. Escrevera o autor: “Para Marx, só importa uma coisa:
descobrir a lei dos fenômenos de cuja investigação ele se ocupa. E para ele é importante
não só a lei que os rege, à medida que eles têm forma definida e estão numa relação que
pode ser observada em determinado período de tempo. Para ele, o mais importante é a lei
de sua modificação, de seu desenvolvimento, isto é, a transição de uma forma para outra
(der Übergang aus einer Form in die andre)...”3.

Esses dois trechos do posfácio de 1873 resumem bastante bem o que gostaríamos
de discutir aqui: qual é o conceito dialético de transição, ou seja, qual o conceito
propriamente marxista de transição? Em que o conceito marxista de transição se diferencia
das receitas comteanas de futuro? Pensamos que expor claramente o conceito dialético-
marxista de transição é tarefa das mais importantes. Pois, como veremos, na compreensão
conceitual não-dialética que subsiste a respeito do conceito de transição, expressam-se
posições teóricas e políticas (muitas vezes, ocultas).

OS SENTIDOS DE TRANSIÇÃO PARA MARX

Quando se menciona a noção de “transição” em teoria marxista, três sentidos
fundamentais se confundem, às vezes sem maiores explicitações. 1)Um primeiro sentido é
aquele de que “transição” significa o modo pelo qual se caminha do interior do modo de
produção capitalista ao momento revolucionário da tomada do poder de Estado pelo
proletariado. 2)O segundo sentido corrente é aquele de que “transição” designa o período
que se desenvolve após a tomada do poder. Esta transição se desenvolveria por um longo
período, em diversas fases, do socialismo ao comunismo. 3)Um terceiro sentido é aquele de
que “transição” designa o período de passagem de qualquer modo de produção para outro.
Ou seja, indistintamente, da comunidade primitiva ao modo de produção asiático, do
asiático ao modo de produção escravista ou ao feudal, deste ao capitalismo, ou ainda, do
capitalismo ao socialismo e comunismo.

Para os conhecedores da obra de Marx, pode-se dizer que esses três sentidos de
transição, de alguma maneira, estão presentes nos seus textos, no entanto, em forma, em
extensão e em importância desiguais. Existiria um sentido hegemônico ou fundamental?
Qual seria ele?

O SENTIDO PRIMEIRO DE TRANSIÇÃO

Pensamos que o sentido fundamental, aquele determina e, assim, rege
metodologicamente os outros sentidos, é o primeiro deles. Ou seja, como afirmara o autor
de Petersburgo: “Para Marx, só importa uma coisa: descobrir a lei dos fenômenos de cuja
investigação ele se ocupa”. Do que se ocupou Marx, quase a vida inteira? O que ele
investigou? Ele investigou e ocupou-se do capitalismo e do capital. Assim, ele investigou a
lei que rege os fenômenos do capital e do capitalismo. Porém, como dizia ainda o mesmo
autor: para Marx “é importante não só a lei que rege os fenômenos estudados (...). Para ele,
o mais importante é a lei de sua modificação, de seu desenvolvimento, isto é, a transição de
uma forma para outra”. Assim, Marx estudou as leis que regem o presente capitalista, mas,
sobretudo, a lei da modificação deste presente capitalista posto, a transição deste presente
capitalista posto para algo de outro. Marx procurou encontrar, assim, o caminho negativo
deste presente capitalista posto. Portanto, é este sentido de transição o predominante, aquele
que prevalece sobre os outros dois sentidos, e os determina dialeticamente.

A DIALÉTICA ENTRE O PRIMEIRO E O TERCEIRO SENTIDO

Vejamos como ocorre esse processo de determinação. Para realizar a negação do
presente capitalista posto é necessário, antes, no método dialético de Marx, desvelar os
pressupostos (Voraussetzungen) do que está posto. Como ele já escrevia na Ideologia
Alemã: “Os pressupostos de que partimos não são arbitrários, nem dogmas. São
pressupostos efetivos (wirkliche Voraussetzungen) a respeito dos quais não se pode fazer
abstração a não ser na imaginação”4. Assim, Marx desenvolve, para estudar os
pressupostos, uma teoria da história dos modos de produção anteriores. Um primeiro
desenvolvimento nesse sentido aparece na Ideologia alemã, depois no Manifesto
Comunista e, de forma mais rigorosa nos manuscritos de 1857/58. Particularmente, este
desenvolvimento ocorre em trecho desses manuscritos, aquele conhecido como Formações
econômicas pré-capitalistas. Neste escrito, Marx volta-se para as diversas formações que
antecederam o capitalismo, mas, não para fazer uma teoria sociológica geral ou história do
passado, não para produzir saberes positivos no sentido daqueles desenvolvidos pelas
chamadas “ciências humanas”. Não se trata também de uma filosofia da história no sentido
hegeliano, apesar de descrever um certo encadeamento histórico que ele chama de “história
mundial” ou Weltgeschichte5 . Mas, exatamente por que aqui não temos nem uma
construção positiva das ciências humanas e nem uma filosofia da história? Por que não
temos nem uma metafísica hegeliana e nem construções comteanas ou weberianas?
Porque, rompendo com a metafísica e positivismo dos saberes burgueses, seguindo
uma dialética que “em sua essência é crítica e revolucionária”6, ao investigar os modos de
produção pré-capitalistas, os investiga ainda e sempre do ponto de vista da negação do
presente capitalista posto procurando os seus pressupostos. Assim, a partir da reflexão
dialética sobre os outros modos de produção, desvelará a especificidade do modo de
produção capitalista e a gênese histórica de cada uma das suas principais contradições e
categorias: mercadoria, valor de uso e valor, trabalho abstrato e trabalho concreto, trabalho
social e trabalho individual, dinheiro, extração de trabalho excedente, separação dos
produtores dos meios de produção e, claro, acima de tudo, a particular especificidade de
cada forma efetiva da luta de classes no interior das próprias categorias estruturais de cada
modo de produção.

Assim, uma leitura atenta das “Formações econômicas pré-capitalistas” mostra que
Marx, nesse texto, em nenhum momento se afasta do próprio presente capitalista, ou seja,
não se afasta do seu objeto central de investigação, aquele que rege a sua preocupação: o
presente capitalista a ser negado7. A ida ao passado, para Marx, é o trabalho negativo que
revela os pressupostos do presente, realizando a compreensão e a determinação de uma
primeira negação do presente, uma negação pelo passado. Esta negação é fundamental e já
diferencia Marx da maior parte dos socialistas conservadores (tais como Proudhon) ou dos
socialistas crítico-utópicos (tais como os herdeiros de Saint-Simon), que receitam saberes
ético-políticos de transformação do presente, sem sequer entender a especificidade da
estrutura econômica da sociedade capitalista do trabalho assalariado e, muito menos, os
pressupostos da estrutura desta sociedade.

Nessa direção, pode-se recordar a compreensão do modo de produção escravista
feita por Marx nas “Formações econômicas pré-capitalistas”. A sua análise permite
compreender a diferença específica entre trabalho escravo e trabalho livre: em ambos há
extração de tempo de trabalho excedente, porém, no escravismo (forma greco-romana), a
classe dominante é proprietária privada do próprio trabalhador. Os trabalhadores, assim,
estão entre os próprios meios de produção, sendo similares a instrumentos de trabalho. Já
no processo de trabalho capitalista, o trabalhador é livre e proprietário da sua força de
trabalho que é vendida como mercadoria8. Como se vê, a diferença na apropriação das
forças produtivas estabelece as diferenças radicais que existem entre as relações de
produção escravistas e as capitalistas. Da mesma forma, Marx mostra como cada modo de
produção se diferencia do outro e, particularmente, como todos eles se diferenciam em
relação ao modo de produção capitalista a partir da forma pela qual ocorre a apropriação
das forças produtivas. A transição de um modo para outro se dá, portanto, a partir da
transformação na apropriação das forças produtivas. Por exemplo: a passagem da forma
asiática para a greco-romana só é possível graças ao surgimento da apropriação privada das
forças produtivas9. Na primeira, a asiática, o único proprietário é a unidade superior estatal
que se ergue sobre a comunidade, em geral, investida por ideologias religiosas. Da mesma
maneira, a passagem do feudalismo ao capitalismo se dá pela transformação na forma de
apropriação das forças produtivas: liberação dos servos em relação aos senhores e
separação dos produtores diretos em relação aos meios de produção. Se a transição de um
modo de produção para outro, segundo Marx, ocorre sempre pela transformação na
apropriação das forças produtivas que gera novas relações de produção, esta apropriação,
inicialmente, não deve e não pode ser pensada como “jurídica”, ou seja, não ocorre ao nível
da superestrutura, mas sim, ao nível da própria estrutura, ainda que, claro, posteriormente,
esta apropriação tende a receber uma forma jurídica superestrutural. Não compreender esta
diferença temporal entre a apropriação (primeira) na instância da estrutura e a forma
jurídica posterior desta apropriação, na instância da superestrutura, é não compreender
absolutamente nada da teoria da transição de Marx.

Esta diferença temporal se explica, do ponto de vista de Marx, porque, para ele, um
novo modo de produção não surge imediatamente, ou em uma ou duas décadas. Não é
assim o resultado de decretos, conspirações, ou atos meramente políticos. Mas sim, ao
contrário, um novo modo de produção nasce das contradições profundas arraigadas em
centenas de anos do modo de produção anterior. Assim, os pressupostos de um modo de
produção estão no seu passado, estão nos modos de produção anteriores. Por isso, para
compreender bem o presente capitalista posto, Marx precisa investigar os pressupostos do
capitalismo. E compreendendo bem o presente capitalista posto, Marx investiga, ao mesmo
tempo, os pressupostos do novo modo de produção possível, o comunismo. Apesar de que
muitos não compreendem nem isto, Marx cansou de insistir e insistir, desde a Ideologia
alemã, passando pelo Manifesto, pelos Manuscritos de 57/58, até O capital, Marx cansou
de expor e expor, e de forma cada vez mais determinada, que estudava os pressupostos do
capitalismo para compreender o próprio capitalismo, e que procurava compreender
essencialmente o capitalismo porque este estava gerando, dentro de si próprio, isto é, de
forma imanente, as novas forças produtivas e as novas relações de produção, ou seja, os
pressupostos do modo comunista de produção.

OS SOCIALISTAS DO FUTURO

Mas, apesar dos esforços constantes de Marx e Engels, isto era difícil de explicar
no século XIX. Os lassalianos, os bakuninistas, os proudhonianos e os blanquistas, não
compreendiam a dialética dos seus textos de “economia” e pensavam a revolução de forma
somente política. Nesse sentido, comentando o livro de Bakunin intitulado O estado e a
anarquia, exclama Marx: “Que estupidez escolar! Uma revolução social radical se encontra
submetida a determinadas condições históricas de desenvolvimento econômico; estas
condições são o seu pressuposto”.10 E mais adiante acrescenta: “Decididamente, ele não
compreende nada da revolução social; só conhece sua fraseologia política; para ele, não
existem as condições econômicas desta revolução”11. Explica Marx, logo a seguir, que
Bakunin acredita ser possível a revolução socialista em qualquer situação de exploração,
justamente não diferenciando as diversas formas de exploração. E conclui o seu comentário
dizendo que, para Bakunin, “a base de sua revolução é a vontade e não as condições
econômicas”12. No mesmo sentido, escrevia Engels a respeito de Blanqui: “é
essencialmente um revolucionário político; é socialista somente por sentimento, por
indignar-se com os sofrimentos do povo, mas não possui teoria socialista, nem propostas
práticas definidas para a reorganização da sociedade”13. Quanto aos seguidores e herdeiros
de Blanqui, comenta Engels que estes conservam os mesmos defeitos do seu inspirador:

não compreendem os pressupostos objetivos das transformações revolucionárias, elaboram
grandes e detalhados planos e “se guiam pelo mesmo princípio de que as revoluções não se
fazem por si mesmas”14. Mas, o pior de tudo era perceber incompreensão similar no próprio
partido operário alemão, ainda em 1875, ou seja, oito anos após a publicação do livro
primeiro de O capital, como atesta o chamado “Programa de Gotha”. Como observa
Engels, Marx e ele estavam mais estreitamente ligados ao movimento operário alemão e
viram com grande preocupação “o decisivo retrocesso que se manifestava neste projeto de
programa”15.

Marx fez a crítica detalhada desse retrocesso que consistia, fundamentalmente, em projetar detalhadamente o futuro socialista com uma série de receitas éticas, jurídicas, superestruturais, esquecendo a rigorosa investigação marxista dos pressupostos estruturais do capitalismo16 .

UM UTOPISTA CONTEMPORÂNEO

Exemplo recente dessa incompreensão aparece no livro de Luciano Martorano,
companheiro nosso da revista Crítica Marxista17. Vejamos, particularmente, uma passagem
do seu livro. Martorano cita, primeiramente, as seguintes afirmações de Stalin: “as novas
forças produtivas e as relações de produção que lhe correspondem não aparecem fora do
antigo regime e depois do seu desaparecimento; aparecem no próprio seio do velho
regime”18. Ora, neste caso, somos obrigados a dizer que Stalin tem toda a razão! E
pensamos que qualquer marxista que tenha lido O capital, concordaria com ele. Mas, para
a nossa grande surpresa, após essa citação de Stalin, Martorano o critica severamente
escrevendo: “o que equivale a dizer que as relações socialistas de produção poderiam surgir
no interior do modo de produção capitalista”. E acrescenta Martorano: “Hipótese
desprovida de qualquer sentido”.19 Incrédulo com o que li, confesso que reli a passagem
várias vezes. Será que é possível afirmar isso – “hipótese desprovida de qualquer sentido”-
do que disse corretamente Stalin? As relações de produção socialistas, segundo Martorano,
não começam a surgir no interior do próprio capitalismo? Infelizmente, é isso mesmo o que
diz e o que quer dizer o nosso autor! Martorano, nessa passagem, discorda de Stalin, assim
como de Marx, de Engels, e dos principais lideres bolcheviques. Como fica claro, aliás, no
parágrafo seguinte da mesma página. Assim escreve ele: “a concepção teórica dos
principais líderes soviéticos, incluindo o próprio Lênin, foi profundamente influenciada
pela problemática das forças produtivas”. E acrescenta que essa concepção “foi decisiva no
privilegiamento (sic) da economia em prejuízo da política (...)”.20

Pensamos que essa incompreensão de Martorano (assim como aquela de seus
inspiradores mais recentes ) nasce em grande parte de uma questão: não pensam o conceito
de transição de Marx dialeticamente. Os modos de produção aparecem como estruturas
estanques e separadas. O máximo de movimento que conseguem dar a essas estruturas é
aquele presente em uma concepção não contraditória de movimento, concepção esta
emprestada a uma sociologia dinâmica, herdada do positivismo comteano e tão presente em
todo marxismo vulgar. Neste marxismo sociológico sempre se pensa por etapas ou estados
estanques. Como compreender, assim, as regiões negativas que se abrem no interior de cada
modo de produção e que são, segundo Marx, os pressupostos de outro modo de produção?
Como, sem dialética, seguir o caminho da negação interna e contraditória apontado por
Marx?

O CAMINHO DA NEGAÇÃO PERCORRIDO POR MARX

Para explicitarmos essa questão, cabe recordar, particularmente, o item 7 do
capítulo XXIV do livro I de O capital, onde Marx expõe de maneira sintética a tendência
histórica da acumulação capitalista. Primeiramente, ocorreu a expropriação dos
proprietários das condições de trabalho, o camponês e o artesão. E comenta Marx que esse
“modo de produção pressupõe o parcelamento do solo e dos demais meios de produção”21.

Trata-se, continua Marx, de uma forma “só compatível com estreitas barreiras naturalmente
desenvolvidas da produção e da sociedade”. Aponta Marx, logo a seguir, o destino limitado
da forma camponês-artesanal de apropriação e pretender eternizá-la “ significaria, como diz
Pecqueur, com razão, ‘decretar a mediocridade geral’. Em certo nível de desenvolvimento,
produz os meios materiais de sua própria destruição”22. Ocorre assim a expropriação da
massa do povo (Expropriation der Volksmasse) e este longo e difícil processo constitui “a
pré-história do capital” (Vorgeschichte des Kapital)23. Mas, tão logo esse processo,
continua Marx, tenha decomposto a antiga sociedade, “a socialização ulterior do trabalho e
a transformação ulterior da terra e de outros meios de produção em meios de produção
socialmente explorados, portanto coletivos, a conseqüente expropriação ulterior dos
proprietários privados ganha nova forma”24. Aquele que começa agora a ser expropriado
não é mais o produtor direto, mas sim, o capitalista que explora trabalhadores. Esta
expropriação começa internamente à própria classe capitalista e produzindo ainda no
interior do próprio capitalismo as forças produtivas e as relações de produção de um novo
modo de produção25.

Tanto é assim que, num certo momento desse desenvolvimento, segundo Marx,
essas novas forças produtivas e novas relações de produção (sociais e coletivas) são
travadas pelas relações capitalistas (privadas) de produção que ainda subsistem, ou seja,
aquelas (novas forças e relações) não podem permanecer se desenvolvendo no interior da
forma de apropriação capitalista. Como afirma Marx em O capital: “O monopólio do
capital torna-se um entrave para o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A
centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho atingem um ponto em que
se tornam incompatíveis com o seu invólucro (Hülle) capitalista”26. Observe-se que o
“invólucro capitalista” (kapitalistischen Hülle) que ainda envolve, nessa fase, as forças
produtivas e relações de produção, seria como que uma casca capitalista superficial que
oculta um conteúdo socialista já desenvolvido. Mas então, o que ocorre com tal invólucro
capitalista? Responde Marx: “Ele é arrebentado. Soa a hora final da propriedade privada
capitalista. Os expropriadores são expropriados”27. Reafirmando esse caráter imanente da
transição, após descrever a primeira negação diz um pouco adiante Marx: “O sistema de
apropriação capitalista surgido do modo de produção capitalista, ou seja, a propriedade
privada capitalista, é a primeira negação da propriedade privada individual, baseada no
trabalho próprio”28. Vem, a seguir, de forma também imanente e dialeticamente
contraditória, a segunda negação, a negação da negação: “Mas a produção capitalista
produz, com a inexorabilidade de um processo natural, sua própria negação. É a negação
da negação”29. Esta não restabelece, explica ele, a propriedade privada, mas sim, a
“propriedade individual” (das individuelle Eigentum), ou seja, restabelece aquela forma de
propriedade que foi negada pelo capitalismo, mas sobre uma base social, isto é, “sobre o
fundamento do conquistado na era capitalista: a cooperação e a propriedade comum da terra
e dos meios de produção produzidos pelo próprio trabalho”30.

O SEGUNDO SENTIDO DE TRANSIÇÃO E A DITADURA DO PROLETARIADO

Assim, a partir da negação do presente, do presente posto pelo pressuposto, Marx
determina de maneira mais precisa as categorias do presente e desvela as suas contradições,
descobrindo as tendências de outra negação, a negação da negação, aquela que coincide
com a expropriação dos expropriadores, a ditadura do proletariado. Desta maneira, pode-se
dizer que o primeiro sentido de transição, a transição à ditadura do proletariado, recebe
todas as suas determinações do terceiro sentido de transição, aquele que investiga a
transição nos diversos modos de produção. Marx não falaria, assim, do segundo sentido de
transição (aquele que descreve a transição entre a tomada do poder pelo proletariado e o
socialismo ou comunismo)? Marx não falou do futuro distante? Quando falou, em geral,
falou muito pouco e de forma apenas aludida. Pois, de fato, como afirma corretamente
Mészáros: “A questão de como passar do mundo negado do capital ao reino da meramente
‘aludida’ (expressão de Marx) nova forma histórica não poderia ocupar nenhuma parte no
projeto teórico de Marx”31. E acrescenta ele que, de fato, Marx menosprezava aqueles que
se dedicavam “a especulações sobre o futuro”32.

Como se vê, Marx não se preocupou com o futuro distante ou transição para muito
além da ditadura do proletariado e até ironizou aqueles que, como Comte, o fazem. Mas,
por que? Seria uma lacuna (mais uma?) a ser preenchida na obra de Marx? Não
acreditamos. Para ele, compreender bem o presente e os seus pressupostos seria o
suficiente! Isto seria o suficiente para realizar as tendências negativas contidas no presente,
para realizar a negação possível deste presente. Seria pouco? Pensamos que somente parece
pouco para aqueles que jamais compreenderam o que significa a plena dimensão desta
transição determinada e pensada por Marx, aquela que conduz à ditadura do proletariado. A
ditadura do proletariado em um país, para ele, não é ponto de chegada algum, mas sim,
apenas um dos elos da longa trajetória da revolução permanente mundial que superará o
mercado mundial capitalista e que realizará a ditadura do proletariado nos países
dominantes do mundo. Como escreviam Marx e Engels em 1850, na Mensagem à Liga dos
Comunistas: “Enquanto os pequeno-burgueses democratas querem concluir a revolução o
mais rapidamente possível, depois de terem obtido, no máximo, as reivindicações
mencionadas, os nossos interesses e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução
permanente (die Revolution permanent) até que seja eliminada a dominação de todas as
classes mais ou menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o poder de Estado, (...)
não só num país, mas em todos os países predominantes do mundo (...)” 33. Somente assim,
segundo Marx, a revolução socialista em um país não seria reabsorvida pelo mercado
capitalista mundial. Esta teoria, de forma cada vez mais determinada –mais embasada no
estudo do capitalismo e dos pressupostos de suas categorias-, foi repetida por Marx e
Engels na Ideologia Alemã34, nos Princípios do comunismo35, no Manifesto, na Mensagem
à Liga dos Comunistas de 1850, acima citada, nos Grundrisse, nos diversos panfletos da I
Internacional36 e, claro, na obra máxima, O capital37 . Conjuntamente à teoria
internacionalista, como se sabe, Marx e Engels se dedicaram intensamente à militância
internacionalista na Liga Comunista e na I Internacional. No entanto, sempre tiveram que
enfrentar, durante toda a vida, aqueles que, sem pensar de forma determinada o presente
capitalista, sem examinar as contradições do presente, sem examinar a negatividade
possível do presente, preferiam falar do futuro.

OS COZINHEIROS DO FUTURO E OS BOLCHEVIQUES

Nesse sentido, cabe lembrar o que diziam Marx e Engels, já no Manifesto, a
respeito do “socialismo e comunismo crítico-utópico”: “À atividade social substituem sua
própria imaginação pessoal; às condições históricas de emancipação, condições fantasistas;
à organização gradual e espontânea do proletariado em classe, uma organização da
sociedade pré-fabricada por eles”38. Mas, claro, os crítico-utópicos falam, sobretudo, do
futuro: “A história futura do mundo se resume, para eles, na propaganda e na prática de
seus planos de organização social”39. Para melhorar o gosto da sua cozinha do futuro, e
como não estabelecem as condições reais de emancipação do proletariado, como bons
discípulos de Saint-Simon e Augusto Comte, eles “põem-se à procura de uma ciência social
( einer sozialen Wissenschaft)”40. O combate de Marx e Engels contra esses elementos e
seus similares, como se sabe não terminou em 1848. Ao contrário, durante toda a sua vida,
mesmo depois da publicação do livro primeiro de O capital, tiveram que explicar a esses
“políticos” do futuro que os seus programas e planos são apenas retrocessos: os
pressupostos da nova sociedade – como demonstra O capital - estão nas próprias forças
produtivas e relações de produção do presente.

Evidentemente, no século XX e neste século XXI continuaram surgindo os que
retrocedem a formas pré-marxistas, os que procuram compreender os problemas “não
vividos” por Marx e Engels, e completar as “lacunas”do seu conceito de transição. A
experiência da Revolução Russa, porém, inicialmente, não mostrava essa direção
equivocada. Ao contrário, Lênin, Trotsky, Preobrazhensky e a maioria dos bolcheviques,
não consideravam a transição diferentemente de Marx e Engels. Os bolcheviques seguiam,
em linhas gerais, o que fora apontado em toda a obra de Marx e Engels, em O capital, e
sintetizado, de forma brilhante e profética, no prefácio da edição russa do Manifesto
Comunista em 1882. Nesse prefácio Marx e Engels perguntam se poderia a Rússia passar
da comunidade rural existente, forma degenerada da primitiva propriedade comum, à forma
superior comunista, sem passar por um desenvolvimento capitalista e respondiam de forma
inequívoca, seguindo o que sempre disseram: “se a revolução russa dá o sinal para uma
revolução proletária no Ocidente, de modo que ambas se completem, a atual propriedade
comum da terra na Rússia poderá servir de ponto de partida para um desenvolvimento
comunista”41. Ou seja, para Marx e Engels, para Lênin42 e para a maioria dos bolcheviques,
a revolução russa socialista era possível, mas, precisava dos pressupostos capitalistas
(forças produtivas desenvolvidas e relações de produção correspondentes) e era
absolutamente inseparável da revolução européia 43.

Após a morte de Lênin, no entanto, contrariando toda a teoria marxista,
desenvolveu-se a teoria do socialismo em um só país, e o que é pior, num país atrasado. O
grande teórico desse retrocesso foi Bukharin que desenvolveu uma teoria de transição lenta
em várias etapas44.

Na polêmica desenvolvida em 1926 entre Bukharin e Preobrazhensky45, é
significativo que este último questiona Bukharin justamente a respeito do método de análise
pouco marxista. Segundo Preobrazhensky, Bukharin não analisa a economia soviética a
partir da base ou estrutura, como fizera sempre Marx, ao invés disso, Bukharin substituiria
o método marxista por aquele da sociologia burguesa alemã (Stammler e sua escola),
partindo de uma análise superestrutural. Nessa direção, observa Preobrazhensky: “no
primeiro esboço de Marx para escrever O capital, havia uma seção sobre o Estado, mas
esse objeto seria tratado só mais adiante, após o estudo da economia capitalista no sentido
estrito da palavra”46 . E pergunta ele a Bukharin: “Por que não é possível começar com a
base na análise teórica da economia Soviética?”47

Na verdade, Bukharin, em sentido contrário àquele da teoria marxista, e
expressando os interesses de uma burocracia que já começava a desenvolver interesses
próprios, iniciava a elaboração de uma teoria de transição na qual o mercado passava a ter
um papel fundamental. Nesse sentido, escrevia ele: “Através da luta no mercado, através
das relações de mercado, e através da competição, as empresas do estado e as cooperativas
deslocarão seu competidor, isto é, o capital privado. No final do processo, o
desenvolvimento de relações de mercado trará a sua própria destruição”48. Detalhando o
seu plano de transição pelo mercado, afirma ainda Bukharin que as indústrias estatais e as
cooperativas, gradualmente, prevalecerão sobre as outras formas da economia e as
eliminarão totalmente, até que, por último, “mais cedo ou mais tarde, o próprio mercado
desaparecerá, sendo substituído pelas cooperativas-estatais que distribuirão tudo o que for
produzido”49. Sabemos hoje bem onde terminou essa teoria de transição pelo mercado –
retomada no período da perestroika. Quem liquidou com quem? O socialismo ao mercado
ou o mercado ao socialismo? E a experiência chinesa – inspirada na “originalidade
política”de Mao (também admirada por Martorano, Betelheim, Balibar e outros)– terminou
diferente?50

Em sentido contrário, embasados na teoria clássica de Marx e Engels, levando em
conta os pressupostos do conceito de capital, Trotsky e Preobrazensky sustentaram a
posição de que planificação e mercado são incompatíveis. Na mesma direção de Marx e
Engels, seguindo as tarefas do presente, procurando a transição do presente posto ao futuro
próximo da ditadura do proletariado, como e enquanto transição inseparável da revolução
permanente, desde o começo da década de 20, desenvolveu Trotsky a Oposição de
Esquerda no interior da URSS e depois internacionalmente. Da mesma maneira, após a
falência da III Internacional, fundando uma nova internacional, Trotsky elaborou o
chamado “Programa de Transição”, um programa que absorvendo as experiências
revolucionárias da primeira metade do século XX, continuou diretamente estruturado na
própria teoria de O capital, superando as diferenças entre um programa mínimo reformista
e um programa máximo para os dias de festa51. 

Nesse sentido, pensamos que a procura de um novo programa ou de uma nova teoria de transição para o século XXI é a proposta daqueles que, ainda e mais uma vez, preferem receitas da cozinha do futuro ao invés do conceito de transição elaborado por Marx.

_____________________________________
NOTAS:

1
Departamento de Filosofia, UNICAMP.
2
O capital, livro I, p. 18, ed. Abril Cultural; MEW, 23, p. 25.
P. 19, Abril; p. 25-26 MEW.
4
MEW, 3, p. 20. Em O capital, constantemente, Marx se refere aos “pressupostos históricos” (die
historischen Voraussetzungen) do capital (cf. por exemplo, Livro I, p. 161, MEW, 23)
5
Ainda em O capital, Marx se refere a uma Weltgeschichte que seria pressuposto das diversas categorias do
capital.
6
Palavras do próprio Marx em O capital: “...ihrem Wesen nach kritisch und revolutionär ist.”(p.28, MEW,
23).
7
Sabemos que em O capital, esses estudos reaparecem em diversas passagens e, freqüentemente, são
desenvolvidos em extensas notas. Por exemplo, no capítulo XIII, “Divisão do trabalho e manufatura”, mostra
a especificidade da divisão de trabalho capitalista comparando-a com aquela ocorrida na Antigüidade clássica.
Neste caso, o predomínio do valor de uso conduz a uma maior preocupação com a qualidade do produto e
não, necessariamente, com a quantidade da produção (cf. pp. 286-287 da ed. Abril; pp.386-387, MEW).
8
Marx analisa a forma greco-romana ,particularmente, nas páginas 381-383 dos manuscritos de 57/58
(MEGA); páginas 68-71 da tradução brasileira, ed. Paz e Terra, 1975, sob o título “Formações econômicas
pré-capitalistas”. Em várias notas de O capital, Marx retoma essas análises.
9
Exemplo dessa transição é a passagem da civilização creto-micênica (toda organizada em torno do palácio
real e ordenada por uma larga burocracia) àquela da polis grega.
10
Marx, “Anotações ao livro de Bakunin O estado e a anarquia”, (texto de 1874/75), p. 435, II, in Marx e
Engels, Obras Escogidas em três tomos, Moscou, 1979, Editorial Progresso.
11
Idem, ibidem.
12
Idem, ibidem.
13
Engels, “O programa dos emigrantes blanquistas da Comuna”, (1874), in p. 402, II, Obras Escogidas, ed.
citada.
14
Idem, ibidem.
15
Obras Escogidas, ed. citada, III, p. 6.
16
Por exemplo, escreve Marx: “O direito não pode ser nunca superior à estrutura econômica (...)”(op. cit., ed.
cit., p. 14). Ou então: “Se as condições materiais de produção fossem propriedade coletiva dos próprios
operários, isto determinaria, por si só, uma distribuição dos meios de consumo diferente da forma atual. O
socialismo vulgar ( e por seu intermédio, uma parte da democracia) aprenderam dos economistas burgueses a
considerar e tratar a distribuição como algo independente do modo de produção, e, portanto, a expor o
socialismo como uma doutrina que gira principalmente em torno da distribuição”. E acrescenta Marx irritado
com o retrocesso idealista: “Uma vez que já foi elucidada, há muito tempo, a verdadeira relação das coisas,
por que voltar para trás?” (p.16).
17
A burocracia e os desafios da transição socialista, SP, Xamã, 2002.
18 
Stalin, Materialismo Dialético e Materialismo Histórico, 2a ed. SP, Global, p.49.
19
Martorano, op..cit., p. 31. Os grifos são nossos.
20
Idem, ibidem. Mas, onde Martorano encontra inspiração para tal ousadia anti-stalinista, anti-bolchevique e
antimarxista? Como já ficava claro em passagens anteriores, na “genialidade” de Bukharin! Como escreve
Martorano: “Entre Bukharin e o Marx do ‘Prefácio’ existe, porém, uma diferença fundamental e decisiva.
Para o primeiro (Bukharin), que se afasta aqui do economicismo, há uma premissa para a mudança das
relações de produção na transição socialista: a revolução política-(...)”(op. cit., p.25). Voltaremos, mais
adiante, à transição “política” de Bukharin. Outra inspiração política de Martorano para corrigir Marx e os
bolcheviques é Mao Tsetung. Assim escreve ele: “Já Mao Tsetung oferece a possibilidade de uma nova leitura
sobre o objeto da transição aqui examinado. Leitura centrada principalmente na defesa da necessidade de
transformação das relações de produção (...); no papel da superestrutura, especialmente da política, na
modificação da base econômica;”(citação tirada da mesma p. 31, ou seja, aqui Martorano está contrapondo
Mao ao “economicismo de Marx” e àquele dos “ principais líderes bolcheviques”).
21
Ed. Abril, p. 293; p.789, 23, MEW.
22
Idem, ibidem.
23
MEW, 23, p. 790.
24
Idem, ibidem; ed. Abril, p. 293.
25
Cabe aqui citar na íntegra o parágrafo seguinte, já que muitos parecem haver esquecido esta e muitas outras
passagens de O capital: “Essa expropriação se faz por meio das leis imanentes da própria produção
capitalista, por meio da centralização dos capitais. Cada capitalista mata muitos outros. Paralelamente a essa
centralização ou à expropriação de muitos outros capitalistas por poucos se desenvolve a forma cooperativado processo de trabalho em escala sempre crescente, a aplicação técnica consciente da ciência, a exploração
planejada da terra, a transformação dos meios de trabalho em meios de trabalho utilizáveis apenas
coletivamente, a economia de todos os meios de produção mediante o uso como meios de produção de um
trabalho social combinado, o entrelaçamento de todos os povos na rede do mercado mundial e, com isso, o
caráter internacional do regime capitalista. Com a diminuição constante do número dos magnatas do capital,
os quais usurpam e monopolizam todas as vantagens desse processo de transformação, aumenta a extensão da
miséria, da opressão, da servidão, da degeneração, da exploração, mas também, a revolta da classe
trabalhadora, sempre numerosa, educada, unida e organizada pelo próprio mecanismo do processo de
produção capitalista.”. (ed. Abril, pp.293-294).
26
Ed. Abril, p. 294.; MEW, p.791.
27
idem, ibidem.
28
idem, ibidem.
29
Idem, ibidem.
30
Idem, ibidem. E terminando este capítulo XXIV, Marx, de forma significativa, cita em nota o Manifesto do
Partido Comunista, e justamente aquele trecho deste texto em que já se afirmava esse processo imanente
contraditório, mas a partir das classes sociais e de sua luta: a burguesia com o desenvolvimento da indústria
“produz, antes de mais nada, seus próprios coveiros”, ou seja, o proletariado. Como se vê, para Marx, a luta
de classes está no interior da própria estrutura nas contradições contidas nas diversas categorias da economia:
mercadoria, valor de uso e valor, trabalho abstrato/concreto, trabalho individual/social, a luta se dá na própria
extensão ou redução da extração de trabalho excedente, assim como, evidentemente, na
apropriação/expropriação de uma forma ou de outra das forças produtivas (Cf. meu artigo "Sobre a
crítica(dialética) de O Capital," in revista Crítica Marxista, editora Brasiliense, no3, 1996, 14-44.
31
Para além do capital, p. 1068, SP, 2002, Boitempo Editorial.
32
Idem, ibidem.
33
MEW, 7, p. 247-248.
34
Escrevem Marx e Engels já na Ideologia alemã: “o comunismo, sua ação, só pode ter uma existência
histórico-mundial (weltgeschichtliche Existenz)” (p. 36, MEW, 3).
35
O jovem Engels perguntava: “É possível esta revolução em um só país?” E respondia: “Não. A grande
indústria, ao criar o mercado mundial, uniu já tão estreitamente todos os povos do globo terrestre (...) que um
depende do que acontece no outro país (...). Por conseguinte, a revolução comunista não será uma revolução
puramente nacional (...)”. (Obras Escogidas, ed. cit., I, p.93)
36
Nos “Estatutos gerais da Associação Internacional dos Trabalhadores” (1871) pode-se ler: “a emancipação
do trabalho não é um problema nacional ou local, mas um problema social que envolve todos os países nos
quais existe a sociedade moderna e precisa para a sua solução dos recursos práticos e teóricos dos países mais
avançados;”(Obras Escogidas, II, p. 14). Observe-se que este documento foi publicado em francês, inglês e
alemão.
37
Na mesma direção do livro I que termina anunciando a expropriação dos expropriadores terminaria o livro
III. Não por acaso, o último capítulo do livro III, do qual só existe o início, tratava das classes. Neste último
capítulo, segundo Engels, com a apresentação das classes, Marx trataria também da “luta de classes
necessariamente dada”, e então surgiria “o resultado realmente visível do período capitalista” (Prefácio de O
capital, livro III, p. 9, ed. Abril).
38
MEW, 4, p.490.
39
Ibidem.
40
Ibidem.
41
MEW, 4, p.575.
42
Após apontar que Marx “menosprezava” uma teoria de transição do futuro comunista, Mészáros reconhece
que Lênin também não tinha tal teoria: “Nem para Lênin, o problema da transição foi relevante antes da
Revolução de Outubro, uma vez que estava engajado na elaboração de uma estratégia para quebrar o elo mais
débil da cadeia, na esperança de iniciar uma reação em série que resultaria numa problemática muito diferente
daquela que, realmente, se apresenta através de uma revolução soviética isolada”(op. cit., p. 1068). Ou seja,
em outras palavras, a teoria de transição de Lênin era aquela de Marx e Engels!
43
E assim da teoria da Revolução Permanente. Ainda que esta teoria, desde 1905, era atribuída a Trotsky. O
desconhecimento da Mensagem à Liga dos Comunistas colaborava nessa direção. Mesmo na França, esse
texto só foi publicado em 1923, no Bulletin communiste, numa tradução de Marcel Olivier (cf. Alfred
Rosmer, “Introduction”, p. 9, in L. Trotsky, De la révolution, 1963, ed. Minuit)
44
Martorano resume quatro “fases e/ou etapas”(a expressão é dele! cf. p.106) da transição (“Socialismo:
notas sobre revolução, transição e programa”, Crítica Marxista, 18). Cabe lembrar que as posições de
Bukharin, antes e depois de 1920 não são idênticas: na metade dos anos 20, ele modificará sua visão sobre o
período de transição, vendo a NEP como uma estratégia de longo prazo. Reconheceu então a necessidade do
uso prolongado dos mecanismos de mercado (Cf. K. J. Tarbuck: “Bukharin and ‘Market Socialism’”, p. 94, in
Bukharin in retrospect, organização de T. Bergmann, G. Schaefer, M. Selden, N. York, 1994, ed. M. E.
Sharpe). Ora, essas fases do pensamento do próprio Bukharin não ficam claras nas exposições de Martorano
(nem no artigo e nem no livro citados). Caso Martorano estivesse se apoiando na teoria de transição do
primeiro Bukharin, seria esta uma teoria abandonada pelo próprio Bukharin!
45
Aleksandar M. Vacic, “The Bukharin-Preobrazhenskii polemic”, in Bukharin in retrospect, ed. citada.
46
The New Economics (in Russian), 1926, Moscou, p. 60 (citado por Vacic, op. cit., p. 87).
47
Ibidem, p. 88.
48
Bukharin, Selected Writings on the State and the Transititon Period, ed. R. Day, Armonk, N. York, 1982, p.
261 (cf. artigo citado de Tarbuck, p. 103).
49
Idem, ibidem.
50
Como escreve Martorano: “a Revolução Cultural Chinesa representou, entre outras coisas, um grande
movimento de crítica ao economicismo.(...). Ao contrário dos bolcheviques, (...), a experiência chinesa indica
a necessidade de transformação das próprias forças produtivas capitalistas” (p. 36-37, in A Burocracia..., op.
cit.). Martorano resume a sua contribuição eclética à teoria da transição, da seguinte forma: “o legado teórico
de Bukharin sobre as ‘fases’ da revolução, agregado à sua compatibilidade com as análises de Charles
Betelheim e de Etienne Balibar sobre a teoria da transição, fornece fecundas indicações para o
aprofundamento do debate marxista (...) contribuindo para a discussão do programa socialista no séc. XXI”
(artigo citado da CM, p.114).
51
Sobre a relação entre o “Programa de Transição” e O capital, cf. meus artigos: "Sobre a crítica(dialética) de
O Capital," in revista Crítica Marxista, editora Brasiliense, no3, 1996, 14-44; ”Sobre o desenvolvimento
(dialético) do programa”, in Crítica Marxista, no4, editora Xamã, São Paulo, 1997, pp.9-44; “O Programa de
Transição de Trotsky e a América”, in Crítica Marxista, no18, editora Revan, maio de 2004, p37-64.























quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

ideal baudelaire

spleen e ideal iii

 
Elevação
Por sobre os pantanais, os vales orvalhados,
Por sobre o éter e o mar, por sobre o bosque e o monte,
E muito além do sol, muito além do horizonte,
Para além dos confins dos tetos estrelados,
Meu espírito, vais, com toda agilidade,
Como um bom nadador deleitado na onda,
Sulcas alegremente a imensidão redonda,
Levado por indizível voluptuosidade.
Bem longe deves voar destes miasmas tão baços;
Vai te puruficar por um ar superior,
E bebe, como um puro e divino licor,
O claro fogo que enche os límpidos espaços.
E por trás do pesar e dos tédios terrenos
Que gravam de seu peso a existência dolorosa,
Feliz este que pode de asa vigorosa
Lançar-se para os céus lúcidos e serenos!
Aquele cujo pensar, como a andorinha veloz
Rumo ao céu da manhã em vôo ascensional,
Que plana sobre a vida a entender afinal
A linguagem da flor e da matéria sem voz!
Charles Baudelaire
(Tradução de Pietro Nassetti)
.
Élévation
Au-dessus des étangs, au-dessus des vallées,
Des montagnes, des bois, des nuages, des mers,
Par-delà le soleil, par-delà les éthers,
Par-delà les confins des sphères étoilées,
Mon esprit, tu te meus avec agilité,
Et, comme un bon nageur qui se pâme dans l’onde,
Tu sillonnes gaîment l’immensité profonde
Avec une indicible et mâle volupté.
Envole-moi bien loin de ces miasmes morbides,
Va te purifier dans l’air supérieur,
Et bois, comme une pure et divine liqueir,
Le feu clair qui remplit les espaces limpides.
Derrière les ennuis et les vastes chagrins
Qui chargent de leur poids l’existence brumeuse,
Heureux celui qui peut d’une aile vigoureuse
S’enlacer vers les champs lumineux et sereins!
Celui dont les pensers, comme des alouettes,
Vers les cieux le matin prennent un libre essor,
- Qui plane sur la vie et comprend sans effort
Le langage des fleus et des choses muettes!
Charles Baudelaire

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"Devemos andar sempre bêbados. Tudo se resume nisto: é a única solução. Para não sentires o tremendo fardo do Tempo que te despedaça os ombros e te verga para a terra, deves embriagar-te sem cessar. Mas com quê? Com vinho, com poesia ou com virtude, a teu gosto. Mas embriaga-te. E se alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre as verdes ervas duma vala, na solidão morna do teu quarto, tu acordares com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunta-lhes que horas são:
«São horas de te embriagares! Para não seres como os escravos martirizados do Tempo, embriaga-te, embriaga-te sem cessar! Com vinho, com poesia, ou com virtude, a teu gosto.»

Charles Baudelaire, "O Spleen de Paris"

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Ideologia da percepção

Ideologia da percepção
Ricardo Domeneck

Este ensaio, escrito entre os dias 31 de dezembro de 2005 e 29 de janeiro de 2006, foi publicado originalmente no número 16 da revista Inimigo Rumor naquele mesmo ano. O texto trazia o subtítulo “Algumas considerações sobre a poesia brasileira contemporânea”, que deixa de fazer parte do ensaio pelo fato de que, nos últimos 8 anos, muitos poetas brasileiros chegaram à cena, transformando sua aparência hegemônica e influindo de maneira extremamente positiva no debate e sobre estes questionamentos. Portanto, muitos aspectos destas considerações historicizaram-se, e, hoje, percebo o quanto destas mesmas considerações, ditas de uma “poesia brasileira contemporânea” – no singular, estavam condicionadas, elas mesmas, pelo fato do autor ser um poeta que se formou na cidade de São Paulo. Várias pessoas têm me pedido que o disponibilize na Rede, e hesitei por crer que muito da situação se transformara. Disponibilizo-o agora, portanto, com o alerta de que se trata de uma visão que precisa ser contextualizada ao momento histórico de sua composição, como o próprio texto pede que se faça, e com a crença de que as poesias brasileiras contemporâneas já começaram a responder a vários destes problemas. Sei também que republicar um texto com críticas a poéticas falaciosas como a de certos autores brasileiros autodenominados neobarrocos, em pleno 2013, tem ares de quem chuta cadáveres. É necessário também afirmar que, quanto à discussão de uma certa crise da poesia no mundo contemporâneo, que abre o texto, o autor queria, em vez das usuais acusações contra a cultura de massas ou
problemas educacionais e governamentais, entender quais as responsabilidades que ele e seus colegas tinham na situação. Este talvez fosse meu maior receio: por ter hoje uma percepção muitíssimo mais positiva do cenário poético contemporâneo, este texto está fora de sintonia, em alguns aspectos, às considerações que eu hoje faria ao trabalho de meus contemporâneos, pelo adentrar, em grande parte, da minha geração em cena. Quanto ao tom de enfant terrible, perdoem: o autor estava na casa dos 20 anos. Mas a fé na historicidade do fazer poético e na conjunção entre ética e estética expressa neste texto por parte do autor, no entanto, permanece a mesma e inabalável.

Nota do autor, 02 de fevereiro de 2013.

Ideologia da percepção
(2006)

1- O PROBLEMA
Tem-se mencionado, com certa freqüência, a situação incongruente em que se encontra a poesia
brasileira contemporânea, gozando, de um lado, da expansão do número de autores e possibilidades de
publicação e divulgação, com várias editoras criando novas coleções voltadas a poetas jovens, as
possibilidades ilimitadas da divulgação pela rede eletrônica, a multiplicação de revistas dedicadas à poesia,
e, no entanto, por outro lado, o exíguo retorno por parte do público leitor, o isolamento dos poetas em
pequenas coteries formadas por outros poetas, gerando entre nós a situação inédita, eu diria, de serem os
poetas, hoje, quase todos "poetas de poetas", pois aparentemente são os únicos a seguir dando atenção
específica à produção de poesia. Mesmo nos cadernos culturais o espaço dedicado à poesia, ou à sua
discussão, diminui até quase desaparecer, e não se trata apenas daqueles mais voltados à indústria cultural
e à prosa que vende. A situação é por demais conhecida para que tenhamos que nos ater por muito tempo
em sua descrição. A poesia perdeu o "prestígio cultural" que já teve, há não tanto tempo, e hoje parece
relegada ao âmbito do bom gosto cristalizado, como muitas mães ainda esperam que suas filhas tomem
aulas de piano. Grande parte do público leitor conhece, é claro, as criações mais importantes do último ou,
em casos mais raros, dos dois últimos séculos, para afastar a angústia cultural de qualquer sombra de
ignorância. Muitos poderiam citar, não apenas aqueles trabalhos mais conhecidos de Vinícius de Moraes,
criador de alguns dos mais conhecidos e utilizados manuais de educação sentimental deste território, mas
também aqueles mais antológicos exemplos de escola (tanto pública quanto poética), de Manuel Bandeira e
Oswald de Andrade no âmbito brasileiro. Conheço vários casais que mantêm O Amor Natural, de
Drummond, na cabeceira da cama, para aqueles momentos no quarto enquanto a luz permanece acesa. Na
Alemanha, onde vivo, um leitor habitual conhece a "Todesfugue" de Celan, já leu as Duineser Elegien de
Rilke, não deixa de possuir algum livro de poetas "contemporâneos" como Erich Fried ou Ernst Jandl. Pois,
veja bem, não estou me referindo ao problema educacional sério em que vivemos, num país em que o
número de leitores de qualquer gênero é limitadíssimo. A situação é mais ampla. O hábito de não ler poesia,
a falta de vontade de sequer conhecê-la, cresce mesmo entre o público que lê, sim, com freqüência e
atenção. Não se trata apenas de uma falta geral de leitores. Simplesmente, mais e mais deixa-se de ler
poesia.
Há pouco tempo, o poeta Carlito Azevedo publicou no Jornal do Brasil um artigo na forma de uma
interessante conversa fictícia, em que se discute exatamente isso: por que não se lê poesia? Uma das
respostas, a que um dos interlocutores parece chegar, é que não se lê poesia contemporânea porque ela
seria difícil, e que ela teria se tornado difícil porque o desligamento entre o público-leitor e a produção
poética o teria impedido de instrumentalizar-se para compreendê-la. Assim, neste jogo de causas e
conseqüências, uma das conclusões seria o impasse de que não se lê poesia porque ela é difícil e que ela é
difícil porque não se lê poesia. Carlito Azevedo toca em pontos cruciais para a discussão, como as
expectativas do público-leitor quanto ao que um poeta deve produzir hoje em dia, a confusão crítica em que
nos encontramos, tomando padrões e respostas formais a contextos passados, há muito tempo mortos,
para responder a questões e dilemas do nosso contexto contemporâneo. Voltaremos a este problema
adiante. No entanto, acredito que a "dificuldade" das soluções formais contemporâneas não possa ser o
início ou núcleo do problema. Este desligamento entre leitores e poetas parece ter-se iniciado mais cedo
para que houvesse esta distância tão grande hoje. Não se pode chamar exatamente de fáceis poetas do
primeiro modernismo como Ezra Pound ou Vladimir Maiakovski, Guillaume Apollinaire ou Gertrude Stein,
que ainda hoje nos desafiam com suas criações, a quem a "dificuldade" de sua poesia não impediu
liderarem as transformações culturais de seu tempo, quando os poetas eram os idealizadores e teóricos das
transformações por que passava o mundo, mesmo que baseados nas pesquisas de outras formas de arte,
como a pintura e o cinema. Mesmo hoje, tanto no Brasil como na Alemanha, conheço pessoas que não se
acanham ante a dificuldade e complexidade da prosa de autores como Thomas Pynchon ou Donald
Barthelme, Robert Musil ou Peter Handke, Guimarães Rosa ou Hilda Hilst, as mesmas pessoas que
conhecem e acompanham a filmografia de artistas como Jean-Luc Godard e Andrei Tarkovski, além de
poderem citar e discutir artistas como Bruce Nauman ou Hélio Oiticica ao som de Yoko Ono e Matmos. A
enumeração talvez longa demais de artistas "difíceis" está aqui apenas para demonstrar que não pode ser a
dificuldade da poesia contemporânea que leva estas mesmas pessoas a dizerem com muita naturalidade
que "não lêem poesia", algumas indo mais longe e dizendo, sem pudores culturais, que simplesmente "não
gostam de poesia", que pode, sim, atingir grande complexidade em autores como Affonso Ávila, Emmanuel
Hocquard e Lyn Hejinian, por exemplo. Ou seja, não deve ser também a falta de desafio na poesia que os
afasta. Estou ciente de que talvez tenhamos aqui dois problemas diferentes, sendo que a "dificuldade" da
poesia contemporânea, no contexto internacional, realmente afasta certos leitores; pessoas, no entanto, que
também não se aventurariam nas obras dos artistas acima mencionados, e para todos eles formulariam as
famosas perguntas: "Mas isto é arte? Mas isto é música? Mas isto é cinema?" e, por fim, a que nos ocupa:
"Mas isto é poesia?". Assim, o que nos interessa nesta investigação é a especial falta de prestígio cultural
em que caiu a poesia, mesmo entre aqueles que aparentemente deveriam estar capacitados para
compreendê-la, ou possuir o desejo de acompanhá-la para o poderem. Não me parecerá tragédia alguma
("though it may look like a disaster"), se descobrirmos simplesmente que a liderança e ângulo privilegiado de
pesquisa, por transformações contextuais do mundo, tenham passado às artes visuais, plásticas, e ao
cinema. Em seu "Personism: A Manifesto", Frank O'Hara escreveu que "Nobody should experience anything
they don't need to, if they don't need poetry bully for them. I like the movies too."
Mas a poesia parece ter sido reduzida a uma espécie de bibelô cultural, sofrendo a perda do papel
de investigação sistemática e de processo epistemológico, e parece retornar ao contexto de entretenimento
sofisticado, prática de bom gosto, catequese moral. Quando uma prática artística, que há tão pouco tempo
dispunha de tamanha atenção para suas armas de combate, torna-se tão ignorada e domesticada, é o
momento para aqueles que a praticam perguntarem-se, sem vitimizações dos que se crêem lançadores de
pérolas a porcos, o sentido de seguir praticando-a da forma como vem sendo praticada ou, até mesmo, se
devemos seguir praticando-a. Na resposta para esta pergunta talvez tenhamos a solução para o problema?
Pois, ou descobriremos, citando Roland Barthes em seus Fragmentos de um Discurso Amoroso, que a um
método "assim lançado por sua própria força na deriva do inatual, deportado para fora de toda
gregariedade, nada mais lhe resta além de ser o lugar, por exíguo que seja, de uma afirmação", ou que
chegou a hora de secarmos o bico da pena e nos voltarmos para a prosa, ou o cinema, ou as artes
plásticas. O ser humano seguirá criando novas formas artísticas de conhecimento, expressão, resistência,
contestação, consolo, todas estas descrições do porquê artístico, dependendo da ideologia e necessidades
do discursante. Assim, não se trata de competição. Não me incomoda particularmente que, a partir da
década de 60, tenha recaído sobre artistas como Andy Warhol e Joseph Beuys, ou Jean-Luc Godard e
Glauber Rocha, o papel privilegiado de "inventar a realidade", mas quando aos poetas tenha-se reservado
pouco a pouco a mudez ou a escrita de frases para cartões de aniversário e dia dos namorados, como
praticante da atividade vejo-me impelido a entender o porquê.
Poderíamos encontrar a resposta em outros momentos, no passado? Já passamos por isso? As
artes plásticas já ocuparam esta posição à dianteira das vanguardas em outros momentos. Basta
pensarmos na situação da poesia no início do século XX, e seríamos tentados a crer que nos deparamos
com uma situação, em alguns aspectos, parecida. A vanguarda estava em pintores como Cézanne, Picasso,
Matisse, Rousseau. Muito já foi escrito sobre a influência da pintura sobre a poesia modernista, e já se
tornou lugar-comum a proposta de que escritores como Ezra Pound, William Carlos Williams e Gertrude
Stein tentavam transportar e fazer na literatura uma "revolução" que já se iniciara na pintura, na música.
Mas isto não os impediu de estarem na crista do movimento. No Brasil, poderíamos ver um paralelo na
precedência de artistas como Victor Brecheret e Anita Malfatti, sem nos esquecermos que foi contemplando
uma pintura de Tarsila do Amaral que se iniciou a Antropofagia de Oswald de Andrade e Raul Bopp. A
poesia, porém, gozava ainda de grande prestígio cultural, e não havia nem sombra do processo de
infantilização do poeta que vemos na sociedade contemporânea. Assim como é também sabido que, no
contexto norte-americano da década de 50, poetas como Frank O'Hara e John Ashbery, por exemplo,
tiveram como estímulos as pesquisas formais de pintores como Jackson Pollock, Larry Rivers, Willem de
Kooning. No Brasil da mesma época, as pesquisas de Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Décio
Pignatari, Affonso Ávila, seguiam de mãos dadas às de Waldemar Cordeiro, Abraham Palatnik, Mary Vieira,
Luiz Sacilotto, como as de Ferreira Gullar às de Lygia Clark e Hélio Oiticica, os poetas mais uma vez
servindo de teóricos e aglutinadores, antenas, filtros culturais. O problema com que lidamos hoje seria, de
alguma outra forma, novamente o descompasso da poesia em relação às artes plásticas e cinema, por
seguir princípios emprestados de um contexto já atrofiado? Falta de qualidade? Argumenta-se que há
qualidade e abundância de propostas, como declaram vários poetas e seguem editando antologias que são
panoramas amplos da produção contemporânea; mas, até que ponto uma ideologia possivelmente fincada
em princípios fora de sintonia com o mundo de hoje pode gerar poemas de "qualidade" e que chamem a
atenção do "outro"? A seguir, gostaria de analisar algumas das características mais proeminentes da
produção poética e movimentação crítica brasileiras neste momento histórico, 2005/2006, e de que maneira
elas se relacionariam a esta situação de desligamento entre poetas e leitores, investigando possíveis
responsabilidades dos próprios poetas contemporâneos brasileiros para o fato de que hoje "no one listens to
poetry."

2 - O POETA INVESTIGA A PRÓPRIA MUDEZ À PROCURA DA MORDAÇA

a- vale tudo

Já discuti em outro lugar a aparente cristalização entre nós da noção de que vivemos num período
em que todas as formas históricas são viáveis ao poeta, caracterizado pela possibilidade e liberdade no uso
de qualquer uma delas, do soneto à beat utterance, o que vem geralmente empacotado como "pluralidade
de vozes", "polifonia de possibilidades", "inclusionismo libertário", devidamente assim expressos para
manipular a discussão e gerar a sensação de que discordar, ou atacar tamanho ecumenismo crítico, não
passaria de fascismo cultural, ou luta por hegemonia, espaço na imprensa. Sim, abaixo a ditadura, dizem
todos. É necessário coragem e estômago para ousar distoar do coro dos contentes e expor a situação por
ângulos menos benevolentes, disposto a ver na situação atual confusão e covardia críticas, maneirismo
auto-complacente ou, nas palavras de Augusto de Campos, o "ecletismo de segunda categoria da poesia
contemporânea". Não importa que os mesmos poetas e críticos a repetirem esta crença em entrevistas e
artigos pareçam, no entanto, razoavelmente convictos das escolhas específicas que fazem diante da página
em branco, das formas favoritas, número de versos, ritmo e disposição gráfica de seus poemas, à escolha
dos "companheiros de viagem" que privilegiam em suas críticas e resenhas, beneficiando-se, porém, da
confusão geral para camuflar as conotações ideológicas de tais escolhas. Porque é inevitável que as
escolhas formais de um poeta denunciem as distorções ideológicas de sua invenção da realidade.
Mas toda forma está ligada ao momento cultural em que surgiu, como resposta às questões que
premiam os poetas em seus contextos. Nas palavras de Peter Quartermain, "every utterance is context
sensitive." São notórios os estudos ligando Dante e sua Commédia ao contexto cultural específico do século
em que foi escrita, como ação refletindo e reagindo a aspectos culturais do período, como disse, em que a
Máquina do Mundo pairava sobre a cabeça dos homens; os que demonstram Baudelaire como o poeta do
início da industrialização, início da perda do sublime, do sagrado, do mítico (que mais tarde nos traria à
chamada "era da reprodutibilidade técnica"); Rimbaud, reagindo diretamente às conseqüências imediatas de
tais transformações; penso num pequeno livro brilhante como The Mechanic Muse, de Hugh Kenner, em
que o crítico norte-americano investiga como as mudanças econômicas e científicas do início do século XX
moldavam e geravam reações nas criações de T.S. Eliot, Ezra Pound, James Joyce, William Faulkner,
chegando a propor que certas práticas "inventadas" por Pound, certas inovações tipográficas, visuais, por
exemplo, não seriam possíveis sem a invenção da máquina de escrever, chamando-nos a atenção para o
óbvio menosprezado de que o fazer poético está intrinsecamente ligado a todos os meandros da cultura em
que se movimenta.
Todo momento de vanguarda é um despertar para o que já não é mais, e muito menos ter "olhos
novos para o novo" que ter "olhos atuais para o atual", mudando o adjetivo apenas para evitar uma
distorção que já se tornou lei entre nós, em nossa percepção do que é vanguarda e do que é invenção. "Die
Bedeutung eines Wortes ist sein Gebrauch in der Sprache", como escreveu Wittgenstein: o significado de
uma palavra é seu uso na língua. Pois este "novo" de cada momento histórico era resposta a necessidades
e condicionamentos culturais, econômicos, sociais, científicos, todos refletindo-se e debatendo-se dentro do
poema, que não apenas os espelha, passivamente, mas reage a eles e também condiciona nossa
percepção destas mesmas transformações, sem podermos separar o quanto tais poetas precipitavam estas
mudanças, do quanto eles apenas as previam antes que se tornassem óbvias para todos os outros. Mas
uma mera e simples busca pelo novo, unida à crença na "composição alephiana" de hoje – a crença na
chamada trans-historicidade da literatura – leva poetas a buscarem inovações baseadas em sua mera nãoocorrência
anterior no mundo, ou pelo menos na língua portuguesa. Pois, repete-se à exaustão aos novos
poetas que eles "precisam encontrar sua própria voz", que eles precisam "fazer o novo", e eles entregam-se
à busca do que ainda não foi feito, e não do que precisa ser feito, do que exige seu tempo, a língua, a
própria cultura em que estão em atividade. E, se tal procedimento técnico de Paul Celan, por exemplo,
jamais foi usado por poetas brasileiros, ora, eles o usam, querendo garantir assim sua "originalidade",
indiferentes ou inconscientes de que necessidades biográficas e culturais levaram Celan a tal procedimento;
e multiplicam-se as descontextualizações de procedimentos de vários poetas, em busca de uma voz. Cito o
caso específico de Celan por ter sido moda apropriar-se das desarticulações sintáticas e hermetismo do
poeta, num ato de grande leviandade às necessidades da cultura e língua em que Celan se movimentava,
desarticulações levadas a cabo por ele jamais à guisa de originalidade, mas premidas de tal forma por uma
desarticulação interna da cultura total em que se agitava, que levaram o poeta à grande dissolução nas
águas do rio Sena. Jamais esperaria tal coerência existencial de quem está à busca de uma "voz". Já sugeri
compararmos estes procedimentos ao que se fazia no Brasil de então, onde parecia-se buscar, em várias
artes, "luz espaço, luz que se veste, / leve como uma rede, / e clara, até quando preside / o cemitério e a
sede", como nos versos de João Cabral de Melo Neto sobre Joaquim Cardozo, poeta e engenheiro,
projetista de concreto armado na Brasília a ser construída enquanto Paul Celan publicava um livro como
Sprachgitter. O MAKE IT NEW de Pound precisa vir hoje acompanhado de um MAKE IT NECESSARY. Nas
palavras de John Cage:
Why, if everything is possible, do we concern ourselves with history (in other words with a sense of what is
necessary to be done at a particular time?) And I would answer, 'In order to thicken the plot'. In this view,
then, all those interpenetrations which seem at first glance to be hellish - history, for instance, if we are
speaking of experimental music - are to be espoused. One does not then make just any experiment but does
what must be done.
E não creio que isto se aplique apenas à música experimental, mas também à poesia ou qualquer
outra experiência em arte. Assim, a história literária deveria prover-nos não tanto fórmulas ou técnicas
quanto métodos, não aprendendo ou copiando as soluções finais de outros poetas (geralmente as
características mais superficiais das invenções literárias), mas entendendo as formas históricas como
soluções apresentadas por artistas para problemas específicos de seu contexto, não reproduzíveis, a não
ser em laboratório, para aprendizagem, como sugeriu Mário Faustino. Ou, se usadas novamente, com clara
consciência de suas implicações no novo momento em que está sendo usada. Estudando os contextos e
problemas específicos dos nossos predecessores, poderíamos aprender como lidar com nossos próprios
problemas, e não simplesmente copiar suas soluções. Assim, eu insisto que o desgaste das formas dá-se
menos pela hipertrofia do uso que pela atrofia do contexto. Por extensão, todas as formas históricas só
são viáveis ao poeta contemporâneo se nossa época combinar em si todas as características das épocas
em que foram sendo criadas e acumuladas. Na década de 40, Erich Auerbach escreveu em seu Mimesis:
A realidade, dentro da qual os homens vivem, modifica-se, torna-se mais ampla, mais rica em
possibilidades e ilimitada; assim, ela também se modifica, no mesmo sentido, quando se torna objeto da
representação,
e comparando o mundo moral e mental de Shakespeare ao do mundo antigo, considerando aquele,
contextualmente, mais "movimentado, rico e dramático", escreveu que "a própria base sobre a qual os
homens se movimentam e os acontecimentos se desenrolam é mais insegura e parece estar agitada por
comoções internas; não há qualquer mundo fixo como pano de fundo, mas um mundo que se reproduz
constantemente a partir das mais diversas forças." Não poderíamos repetir a citação, aumentando
radicalmente tais comoções e falta de centro, desta vez comparando nosso tempo com o de Shakespeare?
Pois perdemos de tal forma este mundo fixo, que as próprias noções de realidade e representação
começaram a ser questionadas. Não muito tempo depois, aquele mesmo Paul Celan, condicionado, ligado a
seu tempo e cultura, escreveu que o "ainda-e-sempre do poema só pode ser encontrado no poema daquele
que não esquece que fala sob o ângulo de incidência de sua existência, de sua criaturização."
Assim, todo poeta carrega em si os condicionamentos de sua estrutura individual, movendo-se num
contexto coletivo, com problemas pessoais interligados a questões coletivas, e o que cada um pode fazer é,
consciente de suas condições e de como elas influem ideologicamente em seu discurso, tentar sua
contribuição pessoal, "what he alone must make", novamente nas palavras de Cage. Mas, sintonizado em
sua gregariedade, pois ninguém está à frente de seu tempo, já dissera Gertrude Stein, outra context
sensitive poet, ainda que alguns pareçam tentar a proeza de estarem aquém dele. E cabe-nos, despertos
para este condicionamento ideológico de nossa construção coletiva/individual/coletiva/individual da tal de
realidade, em fluxo e refluxo, mantê-la aberta aos olhos de todos, sabendo que só posso contemplar o
mundo com meus próprios olhos, conscientes, porém, desta "ideologia da percepção". Expor o imposto,
sem contribuir com os jogos de poder e dominação presentes também em formas literárias. Susan Howe:
Whose order is shut inside the structure of a sentence?
Mas é especialmente conveniente, especialmente para poetas masculinos, brancos e heterossexuais,
manterem-se oblivious de tais condicionamentos, restando frequentemente aos outros: mulheres, negros,
homossexuais, sem opção, sensíveis a estes condicionamentos ideológicos das formas, criarem, cada um à
sua maneira, suas sabotagens internas, pois "no centro da própria engrenagem / inventa(m) a contra-mola
que resiste", até que todos despertem para seus contextos.(1)

B- economia, concisão e o poema como objeto
A poesia brasileira e a crítica de poesia das últimas décadas instituíram como parâmetros críticos
básicos, para o poema "de qualidade", aqueles que serviram de guia para os mais importantes poetas do
pós-guerra: economia, concisão, concretude, objetividade, parâmetros que se tornaram praticamente
inquestionáveis no discurso crítico contemporâneo no Brasil. No momento em que surgiram com força na
discussão poética brasileira, a década de 50 (ainda que sejam, na verdade, parâmetros operantes desde os
primeiros modernistas, como Pound), podemos perceber uma movimentação cultural em bloco no país, pois
não apenas poetas como João Cabral de Melo Neto e Augusto de Campos esforçavam-se por implementar
tal sensibilidade construtivista, como também vemos em vários âmbitos da cultura brasileira o
direcionamento para tal enxugamento e conceitualização, presente também na música de João Gilberto, na
arquitetura de Oscar Niemeyer, na pintura de Alfredo Volpi.(3)
Ainda hoje, a proposição defendida e articulada no Brasil pelo grupo Noigandres (tomada de Pound)
em "poesia = dichten = condensare" é aceita como a natureza do próprio poético. Entendo seu significado,
seu uso ("O significado de uma palavra é seu uso na língua", Wittgenstein) no contexto poético da década
de 50. Como é, além do mais, baseada no estudo e observação do fenômeno poético ao longo dos tempos
e em diversas tradições (via Pound, mais uma vez). Também é, no entanto, condicionada por uma
expectativa ideológica específica de organização do real, estrutura e enunciado da própria estética
construtivista. Proponho, no entanto, questionarmos sua aplicação universal como descrição da natureza da
própria poesia, pois creio encontrar, nos desdobramentos posteriores desta tendência, um dos fatores de
alienação contemporânea entre a poesia e o público.
Em todos os âmbitos artísticos, nas artes plásticas, na música, tem-se caminhado em direção à
noção de processo e em abandono da noção de produto, em prol da performance e em detrimento do
objeto, em expansão e não em condensamento, ao aberto às explorações de todos para evitar o que é
imposto pelo acabamento de uma mente única. A prosa, em que a sua tendência não parece privilegiar a
concentração mas a expansão, criando macroestruturas que melhor permitem o desenvolvimento, o
processo, segue instrumentalizando leitores para sua crescente dificuldade formal. Se a fórmula poesia =
dichten = condensare for a própria base do poético, estaríamos num impasse, em um mundo que privilegia
movimentos que a poesia simplesmente não pode fornecer? Pois, não creio que as noções de "forma fixa"
ou, na expressão em inglês "closed form", apliquem-se apenas ao soneto ou outras regras de versejar.
Nossa busca por precisão, objetividade, não nos teria levado a produzir objetos fechados para um mundo
em constante movimento e expansão performática? A construção da realidade operada por um poeta
(ideologia da percepção), com material de construção de seu tempo e métodos acumulados ao longo da
história, levam-no portanto a moldar a realidade, não apenas sua própria ("...die Welt ist meine Welt", mais
uma vez nas palavras de Wittgenstein: o mundo é meu mundo... (4)), mas também por dominar, à sua
maneira, um meio de comunicação, sua arte, que é ao mesmo tempo estrutura e enunciado, lança ao
derredor de seu presente, e especialmente ao futuro (devido ao período de assimilação por parte de toda a
sociedade), esta lente sobre os olhos dos atentos e mais tarde dos desatentos. Assim, a partir da década de
50, instituíram-se entre nós tais parâmetros, invocados pela necessidade cultural de um momento
específico de nossa cultura e elaborada pela personalidade também específica de um grupo de artistas,
respondendo à sua maneira a este contexto.
Diante das provocações das novas mídias de comunicação (segundo Augusto de Campos) e do
aparente caminhar da linguagem em direção à simplificação formal e o emergir de formas de linguagem
abreviadas (segundo Max Bense), estes poetas, premidos por tais desdobramentos culturais e sob a lente
de sua própria personalidade (ideologia da percepção), responderam com o que criam ser a maneira de
manter a poesia na participação (com possibilidades tanto de influência quanto de resistência) deste
processo cultural. Ou seja, poetas que tinham os olhos atuais para o atual. Mas a estes impulsos sociais,
econômicos e científicos - CULTURAIS - (a iconização da linguagem, etc.) impunha-se sua ideologia
pessoal ordenadora, advinda de certas tendências do Alto Modernismo, o que faz desta geração realmente
a da transição entre este (da qual são a última prole) e o que vem a seguir (da qual são ao mesmo tempo a
primeira prole). Faz-se necessário enfatizar o papel das mentalidades pessoais ordenadoras destes fatores
gerais da cultura, para não cometermos o equívoco de naturalizar tais escolhas formais como
desdobramentos inevitáveis, ou incorrermos numa espécie de neodeterminismo, perdendo de vista as
inescapáveis distorções ideológicas de todo artista, que influencia individualmente na percepção coletiva
desta realidade.
No caso dos poetas concretos, se estavam diante de fatos culturais (por exemplo, as já citadas
provocações das novas mídias de comunicação e a iconização da linguagem), foram escolhas
condicionadas por suas personalidades individuais proporem como "soluções formais" a estes "problemas
exatos" a visão de que uma "responsabilidade total perante a linguagem" exigia a obliteração de uma
"poesia de expressão, subjetiva e hedonista", e que só poderia haver na poesia utilidade para a sociedade
na criação do "poema-produto". Enquanto aos poetas do Alto Modernismo sofrendo com a descentralização
do mundo e o deslocamento do sujeito restou o luto poético do mundo perdido (como na Waste Land de
Eliot, com sua nostalgia por Roma, nas palavras do Paz de Blanco, e que, não por coincidência, está
incluído numa edição alemã de seus poemas mais longos com o nome de Suche nach einer Mitte, ou
"busca por um centro"), na década de 50 estes poetas vislumbraram na construção lingüística uma
realidade em que poderiam exercer o controle, sem as interferências sujas e barulhentas do que chamaram
de "o mundo dos eventos". Pois, se pertence realmente à própria natureza da poesia a consciência total de
sua própria materialidade, gradualmente crescente ao longo dos tempos (sem insinuar aqui uma evolução
qualitativa), sendo que o trabalho nos eixos vocal, visual e verbal pode ser reconhecido mesmo na poesia
anterior à concreta (o que permitiu aos poetas a releitura do passado e do cânone), foi condicionada por
fatores pessoais a escolha, no entanto, de uma poesia "primarily as representation of a linguistic world
which is independent of and not representative of an object extrinsic to language..." (Max Bense).
Havia nestes poetas, temos que frisar, a intuição genial de que num mundo em que o sagrado e o
mítico entraram em colapso, restava à arte (e era sua responsabilidade) abandonar a utilização simbólica de
seu próprio material e passar à sua utilização funcional, até mesmo por questões de eficiência. Mas a
decisão de resolver o conflito da representação da realidade surgido no romantismo (na fórmula mundo X
linguagem) pelo refúgio estrutural na linguagem como mundo em si (o concreto "is nothing but itself") foi,
insisto, escolha pessoal dos seus praticantes, na maioria homens, brancos, heterossexuais. Os poetas
concretos, tanto do grupo Noigandres no Brasil, como Eugen Gomringer na Europa, iniciaram seus
experimentos em 1952, um ano após a morte de Ludwig Wittgenstein, tendo como eclosão oficial para o
mundo a Exposição de Arte Concreta em São Paulo em 1956. No meio tempo, publica-se na Inglaterra,
postumamente, as Philosophische Untersuchungen em 1953. Podemos dizer, portanto, que são
contemporâneas as preocupações de todos estes pensadores da linguagem. Em seu Wittgenstein's Ladder,
Marjorie Perloff estuda desde a obra de uma poeta como Gertrude Stein, que antes mesmo do início da
redação da obra de Wittgenstein parecia inserir-se nesta ideologia da percepção, a poetas como Charles
Bernstein, já notoriamente influenciado pelas investigações do filósofo judeu austríaco homossexual (cujo
pensamento era condicionado não apenas por tais fatos biográficos como também por sua dificuldade em
lidar com tais fatos, chegando a demonstrações de self-hatred expresso tanto como judeu quanto como
homossexual), passando por um poeta como John Cage, iniciando suas atividades criadoras
contemporaneamente ao período em que começa a se fazer notar esta nova ordenação da realidade.
Recorro a este contexto, aparentemente alheio à discussão das escolhas e conseqüências da poesia
concreta no Brasil, para demonstrar escolhas alternativas sendo feitas em outros ambientes, condicionadas
por outras personalidades e necessidades pessoais.(5)
A poética concreta propunha, portanto, o abandono da problemática do sujeito que tanto ocupara
poetas desde o Romantismo e, negando a crença no papel de expressão da arte, focalizaram (em ênfase)
na materialidade desta seu campo privilegiado de pesquisa, buscando uma "arte geral da palavra", com
uma "função de auto-reflexão"; e num mundo onde a metáfora impossibilitou-se por amplas mudanças
culturais (ainda que estes poetas vissem como causa principal a hipertrofia do seu uso), radicalizaram as
sugestões formais do processo na abolição do sistema simbólico arcaico de interpretação e rebelaram-se,
nas palavras de Rosmarie Waldrop, contra a transparência das palavras e nossa tendência a lê-las, "look
through them at their significance, their contents", não apenas baseando-se na substantivação da língua,
com significantes ancorados numa relação direta e precisa com significados concretos, mas na concreção
do próprio significante, arrancado do eixo de referencialidade e trazido para o plano de relacionalidade. E
dos dois lados do Atlântico propunham como soluções formais "an arrangement and at the same time a
play-area of fixed dimension", poemas fechados em si, únicos e irreproduzíveis, com seus jogos constelares
de significado pensados por seus "arranjadores" (o poeta-designer), em regras de rigor e precisão.
O problema principal, e a meu ver mais importante, que no entanto não foi o foco de dissensão
quando os concretos começaram a elaborar seu trabalho tanto teórico como poético, reside na sua tentativa
de independência lingüística do "mundo dos eventos" e exílio na crença de que o concreto "is nothing but
itself." Pois creio impossível o abandono completo da referencialidade, algo intuído por poetas, por exemplo,
como Frank O'Hara, quando tentou transportar para a poesia as pesquisas formais de pintores como
Jackson Pollock ou Jasper Johns, por esbarrar sempre no fato de que os significantes, quer queiramos ou
não, carregam invariavelmente os significados, que não podemos abstrair; ou, no Brasil, por Ferreira Gullar,
que chamou a atenção para um eixo esquecido na formulação "verbivocovisual" da poesia, que ele
chamaria de emocional, mas seria melhor compreendido como contextual, condicionada por aquele ângulo
de incidência de cada existência, de sua criaturização, nas palavras de Celan, que Gullar carregou para a
sua poesia, ao longo de sua obra, propondo que palavras como "água" ou "pêra" sempre desencadeariam
processos interpretativos diferentes para cada leitor, que aos significados coletivos das palavras une os
agitados em sua memória pessoal. Mas, infelizmente, no momento de denunciar este fator estrutural da
poesia concreta (que agia com indiferença a tais preocupações por considerá-las as características daquela
poesia de expressão, subjetiva e hedonista que queriam combater), Gullar o fez em nome da defesa
justamente da expressão e do subjetivo na arte, instaurando entre nós o engessamento de dicotomias como
objetivo X subjetivo, interno X externo. Esta relação íntima de significado e significante, eu argumento,
poderia sugerir, porém, a superação destas dicotomias, por nos mostrar incapazes de simplesmente
separá-los, e alguns poetas já nesta época começaram a entrar no terreno movediço do acaso e da
aceitação do tipo de sensibilidade que fez com que Wittgenstein escrevesse no prefácio de suas
Investigações: "... que meus pensamentos logo afrouxavam-se quando eu tentava, contra sua inclinação
natural, forçá-los a seguir numa direção. E que isto estava relacionado claramente à própria natureza da
investigação." (6)
Que, à opção do rigor, da precisão, há também sensibilidades com outras necessidades que as
levam a perguntar: "Ist das unscharfe nicht oft gerade das, was wir brauchen?", ou "O fora-de-foco não é
com freqüência justamente do que precisamos?" (proposição # 71, Investigações Filosóficas, L.
Wittgenstein), e ao considerar as possibilidades (e necessidades) humanas reais de "a linguistic world which
is independent of and not representative of an object extrinsic to language or of a world of events",
geralmente penso em certo trecho da proposição 81 das Philosophische Untersuchungen: "Als waere unsre
Logik eine Logik, gleichsam fuer den luftleeren Raum", ou algo nos termos de "Como se fosse nossa lógica,
por assim dizer, uma lógica para o vácuo."(8)
Debatendo-se com estas questões, esta batalha e exílio interpretativos entre significado e
significante, um poeta em outro contexto (nem o lusófono de Augusto de Campos e Ferreira Gullar, nem o
germânico de Max Bense e Ludwig Wittgenstein), o norte-americano Jack Spicer, dialogando com o famoso
"The Red Wheelbarrow" (9) de William Carlos Williams, escreveu (substituindo o artigo definido "the" do
modernismo em busca de centros pelo indefinido "a", mais próximo da maior aceitação contemporânea do
indeterminado):(10)

A RED WHEELBARROW (Jack Spicer)
Rest and look at this goddamned wheelbarrow. Whatever
It is. Dogs and crocodiles, sunlamps. Not
For their significance.
For their significant. For being human
The signs escape you. You, who aren't very bright
Are a signal for them. Not,
I mean, the dogs and crocodiles, sunlamps. Not
Their significance.

A poesia concreta acaba por estruturar-se num tipo mais complexo de closure, "a play-area of fixed
dimensions" e "a reality in itself", mas ainda assim closure, por tentar evitar a indeterminação e abertura
que, aparentemente, entrariam em choque com a busca de precisão, objetividade, rigor, gerando obras por
demais controladas por seus criadores e controladoras, por sua vez, do fenômeno interpretativo do leitor,
algumas até mesmo carregando seus manuais de leitura. Em tudo isso, as implicações políticas da
discussão, usando palavras de Cage, "this situation of the subservience of several to the directives of one."
Um poeta como Haroldo de Campos, ao refugiar-se no "prismático" do Un Coup de Dès de
Mallarmé e no "expansivo galáctico" do Finnegans Wake de Joyce, propôs-nos o caminho trilhado em suas
Galáxias, caminhando da poesia icônica àquele que, aparentemente, seria o último campo aonde poderia
levar suas preocupações com a concreção lingüística: a experimentação com a prosa. Suas pesquisas, em
suas palavras, "se situam na fronteira entre prosa e poesia", levando para a prosa o que Marjorie Perloff
(11) chamou de "optical significance", ao discutir as Galáxias como textos precursores de grande parte dos
experimentos sendo feitos em prosa por poetas nas duas últimas décadas. O poeta, porém, admite que há
no livro "um gesto épico, narrativo" (terreno da prosa nos últimos séculos, em que à poesia restou o território
lírico), "mas a imagem acaba por prevalecer, a visão, a vocação para o epifânico. Nesse sentido, o pólo
poético termina por se impor ao projeto..."
Creio que isto se dá porque Haroldo de Campos carrega para seu novo experimento a ênfase na
semântica para o processo de produção de significado e sua interpretação, mais que na sintaxe, nisto
seguindo o processo também de Joyce, com palavras que são conglomerados semânticos em que, nas
palavras de John Cage, contudo, a sintaxe permanece intacta, com seu funcionamento sem
questionamento. Ao escrever sobre o tema recorrente no livro, a viagem como livro e o livro como viagem,
Haroldo de Campos o chama de "vértebra semântica". Uma das diferenças entre prosa e poesia é vista
geralmente na maior ênfase por parte da poesia na estruturação paratática de seu encadeamento
processual de significado, usando a elipse e a justaposição dos enunciados para a acumulação de sentido
na interpretação, enquanto a prosa entregar-se-ia à estruturação hipotática, visando na linearidade
discursiva dos enunciados o desenvolvimento de sentido. Haroldo de Campos percebeu no trabalho em
prosa de certos artistas como James Joyce e Gertrude Stein a possibilidade de superação desta dicotomia
ou borrar desta fronteira. Em Gertrude Stein percebemos o mesmo movimento paratático, num trabalho de
repetição e encadeamento que me parece tomar a sintaxe como agente estrutural essencial formador de
sentido ("O significado de uma palavra é seu uso na língua"), baseando-se num vocabulário parco que
muitas vezes consiste principalmente em conectivos, em que se torna impossível a interpretação de um
significado imanente, referencial, obrigando-nos a concentrarmo-nos na relação entre os vocábulos. Em
James Joyce vemos, com exceção de alguns momentos em que a consciência do papel da sintaxe e o
espaço na página parecem vir à tona, uma concentração na aglomeração de significado via semântica, em
palavras que são conglomerados lingüísticos, deixando a sintaxe razoavelmente inquestionada, segundo o
John Cage que teve seus textos em prosa (suas Lectures e Diaries), também citados por Haroldo de
Campos entre os que trabalharam com a consciência de materialidade de sua língua.
Nas Galáxias, Haroldo de Campos mantém sua concreção material, escandindo suas linhas através
da página, como se fossem longos versos, nem todos terminando exatamente no mesmo ponto de quebrade-
linha, com a aglutinação de significantes, que nem sempre atingem uma fusão e criação sintética, como
nos aglomerados de vocábulos "milumapáginas", "umbigodomundolivro", "maroceano", "babelbarroca",
"enrouxecenlouquece", tomadas ao acaso na segunda edição da obra, recém-relançada, em que os
vocábulos reconhecíveis parecem manter a mesma função usual de quando não aglutinados. Além disso,
ele abole a pontuação, e toma em certos aspectos, como Gertrude Stein, a repetição como método
composicional, permitindo que um primeiro impulso vocabular gere os próximos por contigüidade semântica,
fonética ou visual (o verbivocovisual na prosa). Eis o trecho inicial da obra (procurei manter o aspecto
gráfico da edição que tenho em mãos, respeitando as quebras-de-linha que aparecem ali):

e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso
e aqui me meço quando se vive sob a espécie da viagem o que importa
não é a viagem mas o começo da por isso meço por isso começo escrever
mil páginas escrever milumapáginas para acabar com a escritura para
começar com a escritura para acabarcomeçar com a escritura por isso
recomeço por isso arremeço por isso teço escrever sobre escrever é
o futuro do escrever sobresecrevo sobrescravo em milumanoites milumapáginas
ou uma página em uma noite que é o mesmo noites e páginas
mesmam ensimesmam onde o fim é o começo onde escrever sobre o escrever...

Aqui vemos a performance lingüística de Haroldo de Campos manifestando-se, entregando-se ao
condicionamento temporal do desempenho, "e começo aqui", e sua composição por contaminação
verbivocovisual, este "começo" levando-nos por contigüidade a "meço", visual e foneticamente incluído em
"começo", além de semanticamente ligados às condições performáticas do impulso lingüístico, pois o
condicionamento temporal do que começa estende-se também espacialmente no que se mede, e assim por
diante em arremessos, como de dados mallarmaicos. Sem esquecer certos elementos favoritos do autor,
como a relação crítica com a tradição, mostrando-se neste fragmento na viagem como tema odisséico, em
que podemos pensar no Pound idealizador do ideograma poético tão importante para os concretos,
iniciando seus Cantos com a tradução da tradução do canto 11 da Odisséia, "And then went down to the
ship, / Set keel to breakers, forth on the godly sea", e no “Canto LXXIV”, em que escreve "Odysseus / the
name of my family", assim como a referência a Sheherazade em suas "milumanoites", a primeira narradora
performática da história da literatura. Permeando tudo, o pendor metalingüístico do autor em seu "escrever
sobre escrever é / o futuro do escrever".
Nesta edição, há um CD em que é possível ouvir as oralizações de Haroldo de Campos para alguns
dos textos, acompanhado em alguns por Alberto Marsicano na cítara, o que aumenta a natureza de
versículo e canto do trabalho. Mas também ajuda a perceber o que se intui na leitura pois, em que pese a
estruturação de repetições e aliterações, e apesar da abolição da pontuação, mantem-se um fio condutor
em muitos dos textos, e que, apesar de sua concretude unitária, parece manter (como Cage crê ver mesmo
no Finnegans Wake) a sintaxe razoavelmente intacta, fruto daquela organização de sentido via semântica
de que já falamos.(12)
Estudando esta fronteira entre prosa e poesia, e como inserir-se nela, os poetas Steve MacCaffery e
bp nichol compreendem a prosa como "linear progression", que pode ser "a way of thinking", e o livro de
prosa um mecanismo projetado para conter de forma eficiente esta progressão linear, fazendo da página
algo a ser abstraído e até mesmo um obstáculo a ser vencido. Na poesia concreta, em que o "espaço"
torna-se agente estrutural, a página é a última coisa que se abstrairia, pressupondo até mesmo em sua
concreção a impossibilidade do poema longo (tendo em mente experimentos como o “Blanco” de Octavio
Paz ou “O Formigueiro” de Ferreira Gullar). Assim, ao vermos um poeta concreto voltar-se para a "fronteiraprosa/
poesia", pensaríamos que a página poderia tornar-se o primeiro muro a ser questionado. A página
permanece, porém, como o campo de jogo com dimensões fixas nestes experimentos do poeta, cada texto
da obra contido em uma página não-numerada, permitindo a permutabilidade da leitura e, portanto, de sua
construção de sentido. No mesmo ensaio "Haroldo de Campos's Galáxias and After", Marjorie Perloff propõe
que o poeta paulistano teria resolvido algumas destas questões ao voltar-se para a prosa, terreno da linear
progression, ao manter na estruturação de sua linguagem a ênfase na "optical significance", e o poeta
mantém-se na concreção de cada "versículo", como ele descreve a unidade mínima composicional do seu
"épico-epifânico", como pudemos observar na discussão do trabalho de H. de C. até agora. Mas creio que
persiste no trabalho, apesar da organização gráfica aparente de prosa, uma estruturação, em seus
fundamentos, poética. Proponho o exercício de rediagramar parte do trecho citado acima:

e começo aqui
e meço aqui
este começo
e recomeço
e remeço
e arremesso
e aqui me meço
quando se vive sob a espécie da viagem
o que importa não é a viagem
mas o começo da
por isso meço
por isso começo
escrever mil páginas
escrever milumapáginas
para acabar com a escritura
para começar com a escritura
para acabarcomeçar com a escritura
por isso recomeço
por isso arremeço
por isso teço

O exercício aparentemente arbitrário serve para demonstrar algo que o próprio Haroldo de Campos
percebeu ao escrever que em muitos momentos "o polo poético acaba por se impor ao projeto", como em
outros o andamento de prosa (mesmo em seu sentido de discurso oralizado) mantém uma linha quase
discursiva no texto. O que de forma nenhuma invalida sua experiência, uma das poucas tentativas de
abolição da fronteira entre prosa e poesia no Brasil, vendo, contudo, como a ideologia construtivista seguiu
condicionando os experimentos do poeta, pela sua tendência e preferência particular por concentração, o
hábito da "play-area of fixed dimension". Esta concentração no processo gerador de sentido pela exploração
semântica tem também outra conseqüência: ainda que o poeta tome algo da idéia de "expansão estelar",
vendo em seu texto um "big bang poético", eu creio que sua experiência aproxima-se na verdade de uma
"expansão celular", do poema que cresce por metástase.
Mas teria sido mesmo a intenção do poeta borrar esta fronteira entre prosa e poesia, quebrar esta
dicotomia? Em suas palavras, ele situa seus textos na fronteira entre prosa e poesia. Situar-se na fronteira
obriga uma performance (seja caminhada ou dança, para pensarmos na distinção de Valéry para a prosa e
a poesia) a manter um pé em cada território, ou saltitar pela linha. Insistência da fronteira em determinar o
início do país. Eu creio que o barroco manifesta-se em Haroldo de Campos na consciência e exposição
destas oposições, numa linhagem mais quevediana que gongórica, (se tomarmos aqui como certa a
declaração [em verdade, questionável] do próprio autor de que seus textos são barroquizantes) a mesma
que permite Décio Pignatari chamar João Cabral de Melo Neto de poeta barroco.
Haroldo de Campos começou a escrever os "ensaios" das Galáxias em 1963 e os concluiu em
1976. No período, as artes em geral parecem abandonar em bloco a closure e a estruturação da obra de
arte como "produto" e "objeto", e o poeta habilmente insere-se novamente na mudança de sensibilidade
(mudança de sensibilidade = instauração de novos parâmetros críticos hegemônicos) e passa a produzir
textos em que as dicotomias sendo borradas nas artes plásticas e mesmo na música começam a ser
questionadas também na literatura. A partir da década de 60, com o advento da Pop Art, da performance, de
uma process-oriented art, dos experimentos abolindo gêneros (colapso de várias dicotomias) de Hélio
Oiticica, Joseph Beuys, Lygia Clark, George Maciunas, Nan Goldin, Yoko Ono, torna-se necessário rever as
mesmas fronteiras entre gêneros como prosa e poesia, a possibilidade de separação entre a obra e a
biografia do artista gerando-a, o sublime da arte e o grotesco do corpo fundindo-se, e o poeta paulistano
mostra-se mais uma vez capaz e disposto a reconfigurar seu trabalho para as necessidades ideológicas do
novo momento. Ainda que muitos vejam intransigência e dogmatismo em seu trabalho, Haroldo de Campos
(e Augusto de Campos, neste aspecto) procurou demonstrar abertura para compreender mesmo a obra de
artistas que defendiam invenções da realidade (ideologia da percepção) aparentemente conflituosas com a
sua, como a de Mário Faustino (o praticante do verso em tempos de ciclo histórico do verso encerrado);
Caetano Veloso e tropicalistas (acaba de ser lançado no Brasil o estudo de Gonzalo Aguilar [Poesia
Concreta Brasileira. Edusp, 2005], em que, aparentemente, o crítico argentino tenta demonstrar como a
poética tropicalista, process-oriented, afasta-se da concretista); John Cage com sua poesia-performance,
evitando qualquer tipo de "fixed dimension" ("The end, and the beginning, will be determined in
performance") e escrevendo palestras com histórias unidas de forma não-planejada, em busca de uma
complexidade que "is more evident when it is not oversimplified by an idea of relationship in one person's
mind", em textos que Haroldo de Campos e Augusto de Campos traduziram e divulgaram. Pois mesmo que
estes artistas não compartilhassem de suas escolhas pessoais de organização da realidade, havia neles a
responsabilidade perante a linguagem, e a preocupação com sua materialidade.
É óbvio que, como geralmente se dá em poetas obcecados por poderem, trinta anos depois, dizer
que tiveram uma "fase heróica", os concretos em muitos momentos pareciam esforçar-se por instituir uma
oposição poética que, devido à imaturidade crítica no país, foi aceita facilmente pelos seus "inimigos", o que
impossibilitou um verdadeiro debate, gerando trincheiras que ainda operam no país, hoje, dos poetas
encastelados em revistas grupais. Além de terem se apropriado de maneira muito pessoal da obra de
autores precedentes, muitas vezes enfatizando apenas o que lhes interessava e criando lentes para a
leitura de suas obras, até hoje praticamente incontornáveis em nossa recepção crítica destas. É o caso de
Oswald de Andrade, que hoje parece tentar respirar sob as lentes concretas e ainda as tropicalistas, que
leram nele o que lhes interessava e embasava suas próprias poéticas (ideologia da percepção), ainda que
tenhamos que agradecer-lhes a recuperação da obra. Como não é totalmente desinteressada a leitura que
fizeram dos mesmos Faustino, Veloso e Cage.
Nesta nova configuração de parâmetros críticos hegemônicos, (onde podemos, creio, traçar uma
possível linha separando os modernistas do que quer que queiramos chamar o momento seguinte)
chegando ao poder na década de 60 e 70, eu diria que os experimentos mais interessantes dos últimos
tempos, em que a barreira entre vida e obra e a profusão de máscaras do eu artístico atingiram tal projeção
(penso em Tracey Emin montando seu quarto de dormir na Tate Gallery, ou Adília Lopes expelindo ficçãovida
em seus poemas, pois "Não há lugar para mim / num quadro de Rubens"), predizem-se nos textos
galácticos de Haroldo de Campos, nas interferências do mundo dos eventos (que recebe visto de entrada
em sua obra) e snapshots da própria biografia do poeta, que se aceita como "ser histórico, situado no
'eldorido feldorado latinoamargo'", como percebeu Benedito Nunes.
Para poetas que surgem a seguir, no entanto, sem a mesma "capacidade para o atual" e presos às
discussões que surgem na dicotomia objetivo/subjetivo (cujo germe identifico na relação crítica entre
concretos e neoconcretos), tomando a fórmula "poesia = dichten = condensare" at face value, finca-se a
apreciação estética nos parâmetros de objetividade, concisão, economia como axiomas críticos, geralmente
traduzidos em concentração vocabular em substantivos, obliteração do que se considera subjetivo, da
confissão à escolha dos temas "sentimentais", que passam a ser em geral o próprio fazer poético,
descrições e encômios da obra de outros escritores (em sua concepção de poesia-crítica), e a descrição de
paisagens para a manutenção do poeta no mundo externo. Esta dicotomia acaba por vingar-se dos poetas
contemporâneos em suas obsessões imagéticas, e eu chamo a atenção para quantos poemas
contemporâneos brasileiros usam a imagem da "janela", da paisagem vista da janela, da janela como
abstração, como símbolo, janelas por todos os lados ilustrando e denunciando a dicotomia interno/externo e
objetivo/subjetivo da qual vários parecem até mesmo inconscientes. Assumem parâmetros críticos
condicionados por uma leitura de um grupo de poetas (na década de 50, 50 anos atrás) como regras
básicas para a poesia, e vemos o raquitismo de imaginação a que chegamos hoje.
É por isso que não se trata de qualidade o problema. Ainda que um poeta aplique com maestria um
parâmetro crítico obsoleto, descontextualizado, ele atingirá algo impecável talvez, mas mudo. E é assim que
assistimos em muitos momentos o público diante da poesia contemporânea: "tudo muito bem, tudo muito
bom, mas em que isso me diz respeito?" A simples reação do tédio. E, no entanto, o poeta realmente
produziu algo impecável. Mas num mundo sem qualquer ponto fixo, que vem sofrendo abalos
descentralizadores desde que se descobriu num canto desimportante do Universo, apregoando a morte de
Deus (e dela a proposta de Barthes da morte também do autor-divindade), e como último desdobramento
chegando hoje à descentralização do próprio sujeito, do deslocamento de suas bases, como esperar que a
poesia tal como vem sendo praticada possa participar do debate no mundo contemporâneo, quando ela
simplesmente dá sinais de ter suas costas voltadas para este mundo tal qual ele hoje escolhe ser visto, ou é
construído por outras artes para a coletividade?
Nos últimos anos, tais parâmetros deformaram-se a tal ponto, que criaram entre os poetas
brasileiros as barricadas da mais ingênua noção de objetividade e subjetividade. Talvez por se basearem
muito mais no discurso sobre as práticas poéticas de homens como João Cabral de Melo Neto ou Augusto
de Campos (ainda que formuladas pelos próprios) e não em sua poesia em si, passamos a receber no país
a desova de uma ninhada de poemas de descrição de "paisagens externas", uma avalanche de poemas
"anti-líricos" em que poetas procuram, obliterando qualquer noção de sujeito, entregar-nos discursos secos,
econômicos, dependentes das dicotomias INTERNO X EXTERNO, OBJETIVO X SUBJETIVO, para
seguirem com suas noções simplistas de precisão e objetividade, em suas descrições da "realidade"
"externa" em visões que partem, no entanto, de um "eu" monolítico e centralizador, condicionado e
contextual, mas desonestamente camuflado para não implodir justamente a ilusão de sua precisão,
objetividade. Há poetas brasileiros escrevendo os mais subjetivos poemas de nosso tempo, crentes, no
entanto, de serem os mais objetivos entre seus pares.
Por outro lado, há os poetas que, em nome da resistência a esta obliteração do sujeito no mundo
contemporâneo, acabam incorrendo justamente no erro que lhes criticam os "inimigos" do outro lado da
trincheira, e respondendo com uma noção de subjetividade que apenas reenforça a dicotomia já criada
pelos "objetivos", e, em suas "desperate attempts to preserve the nobility of a subdued but still romantic ego
that must have the world on its terms", acabam por fim caindo em armadilhas como a exposta pelo mesmo
Charles Altieri, autor da citação acima, em seu Self and Sensibility in Contemporary American Poetry (1984):
The danger in contemporary poetry, and in contemporary culture, is that we see the ironic, depersonalizing
forces so clearly that we flee into forms of extreme privacy that we hope are as inviolate as they are
inarticulate. But even this privacy then seems all too public a symptom of a collective need for some richer
notion of the personal.
Tal conselho, diagnóstico, vem de um país onde as trincheiras do subjetivo têm prevalecido, quando
no Brasil o vitorioso tem sido o exército do objetivo, com armadilhas não tão distantes. Por aqui, em busca
de concisão, pratica-se tal edição elíptica e concentração vocabular em substantivos que a obscuridade
atingida mina a própria ambição de rigor, excluindo também do poema o instrumental que permita ao leitor
acompanhar o "processo de pensamento" do poeta, o que não é de qualquer forma considerado importante
para o autor, pois ele está dando ao mundo um objeto, um produto acabado e rigoroso que o leitor possa
admirar sem realmente possuir, mantendo muito segura a hierarquia entre ambos. Aqui começaríamos a
tocar nas implicações político-ideológicas da discussão, para a qual não temos espaço aqui. Como não
temos espaço para a investigação da tendência masculina e heterossexual de concentrar na semântica o
processo produtor de significado. E talvez não só a fé, mas a sobrevivência da poesia para o homem
contemporâneo, estejam em seu papel de reajuste das relações entre semântica e sintaxe.

C- outras trincheiras
Mas, como objetivo X subjetivo não é a única dicotomia em jogo, segue-se de mãos atadas. Pois, a
abstração contextual a que parece ter-nos levado a leitura equivocada da poética construtivista talvez seja
responsável pela instauração de uma separação drástica entre vida e obra, que tem se deformado nos
últimos anos num beletrismo desenfreado na poesia contemporânea do país. Pois, nesta descrição do
mundo externo em busca de objetividade, os poetas entregam-se à contemplação de obras de arte (do
passado, diga-se logo), máscaras mortuárias, buscando evitar a impureza do próprio mundo concreto,
mantendo entre nós ainda outra trincheira entre o sublime e o grotesco, a "poesia pura" e a "suja". Uma das
grandes e excitantes características de um filme recente como A Professora de Piano, de Michael Haneke
(baseado no romance Die Klavierspielerin, de Elfriede Jelinek, que tem sido na Áustria e na língua alemã
uma das grandes acusadoras das gender-traps e distorções ideológicas masculinas, camufladas de
parâmetros universais) foi expor, com praticamente toda secreção corporal implícita ou explicitamente, os
resultados culturais da nossa separação esquizofrênica dos âmbitos sublimes e grotescos da existência
humana, em conseqüências e deformações que se arrastam desde as transformações na Renascença, que
começou a tecer esta grande rede de sublimações em que perdemos a saúde grotesca da Idade Média.
É claro que as reações a um contexto coletivo serão sempre individuais. Penso em duas correntes
do modernismo do início do século XX: a que sinaliza e debate-se contra o fim de certas crenças (em seus
últimos estertores) e uma outra, que parece sentir-se à vontade no mundo como ele parece começar a
configurar-se. Assim, o desespero de dúvidas e traumas de poetas como T.S. Eliot e Fernando Pessoa,
sinalizando o choque ainda no ar do mundo deslocado e descentralizado pelas transformações científicas,
econômicas, culturais dos últimos séculos, trauma of shifting contexts, que gera a angústia oblíqua de J.
Alfred Prufrock e do "contemplador da Tabacaria", poetas centrados numa tradição e agarrados a noções de
núcleo em um mundo que não mais as permitia. No entanto, outros decidiram explorar o potencial poético
das novas formas de comunicação, e talvez intuindo que a morte dos valores tenha sido, na verdade, uma
transfiguração deles, entregam-se a um mundo novo/atual, da forma que alguém como Oswald de Andrade
propôe que, ao invés de afundarmos com a Europa, aproveitássemo-nos dos destroços do naufrágio para
seguir em frente, e Gertrude Stein inspira-se nas linhas de montagem de automóveis da Ford para sua
poesia, de quem o mesmo Eliot (crendo em noções de evolução e declínio cultural) teria dito que "if that is
the future, then the future belongs to the barbarians."
Ou como o luto carpido por Eliot nas certidões de óbito em The Waste Land (1922), num mesmo
momento em que William Carlos Williams dava-nos suas certidões de nascimento iluminadas em Spring
and All (1923). Relações distintas com o passado. No Brasil, muitos poetas recorrem à autoridade da
chamada tradição, intertextualidade que na verdade busca pilhar a aura de importância cultural da poesia
de outras épocas em que gozava de tal autoridade, esperando que, em sua viagem no tempo, sobreviva um
pouco desta "aura de autoridade" e socorra o poema importador. E esta relação subserviente com a
tradição, e os discursos desta tradição, engessam a poesia contemporânea ao ponto do anquilosamento.
Em um documentário sobre a poesia da década de 90, o crítico Augusto Massi diz que "o problema sempre
foi que nós não tínhamos uma tradição. Agora nós temos uma tradição." E para que serve mesmo esta
tradição, baseada em linhas evolutivas, tomando a construção do nacional como destino e ápice históricos,
organizando-a em um sistema fechado, que gera nem angústia, nem orgulho da influência, mas a simples
obrigação ideológica de filiação? Pois, se ela existir, em primeiro lugar, ou existir tão-somente para a
paralisia, seria melhor que nós jamais a conquistemos. E com ou sem tradição, este país teve poetas como
Gregório de Matos e Tomás António Gonzaga, assim como, por volta das últimas duas décadas do século
XIX, com as obras de Machado de Assis e Sousândrade, o país parece começar a responder com criações
que não necessitam separar-se e inserir-se em um sistema fechado ideologicamente, estanque, num
protecionismo de alfândega literária, alfândega que no entanto acaba consolidando-se no trabalho crítico
dos modernistas, herdada dos românticos. Abel Barros Baptista, num ensaio que aborda e propôe algumas
destas questões, escrito sobre o trabalho crítico de Antonio Candido (vetor das preocupações que
remontam aos românticos brasileiros e espraiam-se pelos modernistas), expôe esta lente a que a crítica no
Brasil parece ter que adaptar sua leitura, formada nesta ideologia (mal consigo evitar o vocabulário
aprendido com ela), inescapável a partir do momento em que passamos a discutir a literatura no Brasil nos
termos de formação e evolução, instaurados por esta mesma lente.
Como fugir a ela se não se trata apenas de uma leitura crítica da história literária, mas da própria
ideologia que norteou a escrita no Brasil em seus parâmetros críticos hegemônicos pelos dois últimos
séculos? Como denunciar uma ideologia crítica que se confunde com a própria literatura brasileira? Como
entender, fora desta linhagem formativa da literatura no país, aquele momento da criação e reflexão da arte
entre nós, quando (talvez pela segunda vez após Machado de Assis), na década de 50, o Brasil produzia
obras internacionais e, ao mesmo tempo, impossíveis de se reproduzir em qualquer outro país que não o
nosso, nas obras de João Cabral de Melo Neto, Alfredo Volpi, João Gilberto, Oscar Niemeyer, além da
instauração do debate poético internacional veiculado pelo grupo Noigandres? Ou mesmo esta minha
opinião está condicionada por noções viciadas de brasilidade, herdadas dos românticos/modernistas e
fundamentadas teoricamente por Antonio Candido? Estas são algumas perguntas que o ensaio de Barros
Baptista nos propõe, ou que o ensaio sugeriu em mim após sua leitura.
Pois esta visão evolutiva, hoje engessada, de tradição, parece ter sobre nós o mesmo efeito que fez
com que, ao longo de todo o século XX, as metrópoles das línguas permanecessem paralisadas, presas, e
as inovações viessem das periferias das línguas: compare-se a poesia norte-americana à inglesa; onde o
modernismo em língua espanhola começou; os locais de nascimento dos poetas mais inovadores de língua
alemã; e a poesia brasileira à portuguesa. Hoje, no entanto, talvez esteja começando a mudar a situação, e
ao pensar no beletrismo pseudo-culto da poesia brasileira dos últimos 20 anos, comparo-a à poesia de
portugueses como Alberto Pimenta, Fernando Assis Pacheco e Adília Lopes. Tudo isto está em jogo na
prática beletrista da poesia contemporânea brasileira, talvez por sua incapacidade de libertar-se das
amarras ideológicas criadas pelo próprio impulso crítico romântico/modernista, que parece querer obrigar
cada novo poeta a inserir-se neste sistema, se quiser pertencer ao sistema: a literatura brasileira,
incentivando a profusão de neo-tendências do já referendado.
Reconheço que muitos destes fatores surgem, também, de uma tentativa de resistência a forças
extremamente desumanizadoras na sociedade contemporânea, o consumismo desenfreado, a redução e
subordinação de todo funcionamento cultural às regras do mercado, a desapropriação e pilhagem exercida
por um sistema econômico que não permite ao humano sequer a manutenção de seu próprio corpo. No
entanto, questiono a eficácia desta forma de resistência. O barulho faz parte da audição, já nos informaram
os compositores contemporâneos, e os artistas plásticos, desde a década de 60, começaram a trabalhar por
borrar dicotomias como as que separam a "cultura sofisticada" (como único campo digno para a
movimentação de um artista) e a cultura de massas, chegando hoje ao processo de borrar mesmo a
fronteira entre Art & Fashion. Pois há outras formas de resistência que a da negação, como propôe Theodor
Adorno no ensaio "Lírica e Sociedade", ou Alfredo Bosi no ensaio "Poesia Resistência": nem só o refúgio na
Idade de Ouro, nem apenas a invocação da parúsia, mas também a inserção de resistência dentro do
próprio sistema. E exilar-se numa linguagem pura, não contaminada pelo mercado, pela nova configuração
tecnológica do mundo, tem gerado meros ouvidos moucos por parte do público. Marjorie Perloff expôs da
seguinte maneira as opções de resistência:
One may, as do the bulk of 'creative writing' teachers and students in workshops across the country, turn
one's back on contemporary technology and write 'personal' poems in which an individual 'I' responds to
sunsets and spiders and moths flickering on windowpanes or remembers a magical incident that occurred on
a fishing trip with Father. Or one can take on the very public discourses that seem so threatening and
explore their poetic potential. (grifo meu)
Precisamos rever nossas estratégias.

D- ah! as metáforas
A metáfora fundamentou-se na crença arcaica e religiosa daquilo que Mircea Eliade descrevia como
a "simpatia do Todo", a ligação cósmica conectando todas as coisas no universo, que permitia a
metamorfose de uma coisa em outra através dela; o que, em nossa sociedade ocidental, encontrou ainda
arcabouço na fé cristã da "comunhão dos santos" e no conceito de figura que, no entanto, ao redirecionar a
"simpatia do Todo" das coisas para os fatos, permitiu que o cristianismo fosse a gênese do historicismo
contemporâneo. Este desdobramento do cristianismo teve, assim, na sociedade contemporânea, o efeito
contraditório de o pôr em xeque, pois tal ênfase no fato, no histórico, terminou por fim levando-nos à
descrença no alcance transcendente da História. Utilizo-me da definição contextual da metáfora, de sua
função cultural, fiel à argumentação deste texto, em que não só o significado de uma palavra é seu uso na
língua, como a definição de uma prática é seu uso na cultura em que exerce suas funções, sem buscar
definições "universais" em qualquer poética. Com o colapso do mítico no mundo moderno,13 e a
desconfiança cada vez maior de qualquer forma de transcendência, a poesia, que se baseava em grande
parte na metáfora, entrou em crise. Vivemos, então, a falta de contexto, a falta de retaguarda cultural,
aparentemente, para a escrita da poesia. A metáfora, hoje, exige uma "suspension of disbelief" de que o ser
humano se torna cada vez menos capaz, ou simplesmente para o qual não tem mais paciência.
Ainda que muitos poetas tenham desenvolvido, através da metáfora, um trabalho interessante de
desarticulação daquilo que vejo como um logocentrismo exagerado e estéril na poética brasileira nos
últimos anos, esta vegetação metafórica criada está tão fora de compasso com o resto da cultura
contemporânea que o resultado são, mais uma vez, ouvidos moucos à poesia. Novamente nos deparamos
com o problema de uma qualidade poética atingida dentro de parâmetros que simplesmente não interessam
à sociedade contemporânea. E a insistência em métodos e práticas viáveis e funcionais, mas
"desnecessários" em seu contexto, tidos como arcaicos por uns, obsoletos por outros, colabora com a
infantilização da imagem do poeta no mundo de hoje. Pois certos setores do público-leitor, na sociedade
contemporânea, reservam e esperam do poeta determinadas atitudes, confundindo a poesia com alguma
vaga noção de poético, e buscando em poemas discursos que, ainda que pudessem facilmente ser
"expressos" em prosa, ficam mais "belos" se veiculados em linguagem metafórica. Assim como opera-se o
retorno, nos últimos anos, a versões do poema como operação de catequese, demonstração sábia de
"experiência de vida", "moral sublime", garantindo o "sucesso" de alguém como Fabrício Carpinejar, o
exemplo mais gritante. O impacto do poder da mídia sobre o discurso poético parece, no Brasil, mostrar-se
apenas na habilidade de certos autores em garantir seu lugarzinho na história da literatura brasileira.
Há cerca de uma década começou a se tornar mais visível e conhecido no Brasil um grupo de
poetas hispano-americanos (com brasileiros ligados a eles de várias maneiras tangenciais), que hoje já
começa a ser reconhecido como um dos mais importantes movimentos de renovação das letras latinoamericanas,
não só pela crescente recepção crítica, como por traduções e espaço na imprensa: os
neobarrocos. O termo remonta a Haroldo de Campos, reconhecido por eles como precursor tanto na teoria,
em ensaios da década de 50 como em trabalhos críticos mais conhecidos como O Seqüestro do Barroco na
Formação da Literatura Brasileira, quanto na prática poética – já discutimos neste ensaio as Galáxias,
chamadas pelo próprio autor de barroquizantes, que cita ainda a Ciropédia como um trabalho que já
implicava tais preocupações, ainda que as Galáxias aproximem-se muito mais de experimentos literários do
âmbito anglófono, mas teria sido difundido por Severo Sarduy em 1972. Além de identificarem
características em obras de várias épocas (daí o caráter "trans-histórico" delas, segundo eles) que a partir
do século XVII espanhol passaram a ser conhecidas como barrocas e que, florescendo e transformando-se
na América colonial, assumiriam seu caráter também transnacional.
No século XX, José Lezama Lima seria um dos grandes representantes destas características,
renascidas com a Generación del 27 espanhola (trabalho crítico de Dámaso Alonso e poético de gente
como García Lorca), após séculos de ostracismo gerado por preconceitos classicistas e realistas. No Brasil,
Oswald de Andrade teria, sem saber, feito coro com Lezama Lima na defesa do barroco como literatura das
Américas, literatura da reconquista, antropofagia dando ao continente sua face própria. Na Espanha, esta
releitura do barroco significou de forma prática a recuperação da obra de Luís de Góngora, que em suas
Soledades praticara tal profusão metafórica, imagética, tal polifonia, que por séculos silenciou-se sobre sua
obra, tida como exemplo de mau gosto pelas sensibilidades neoclássicas ou ligadas a noções mais
"enxutas" do Barroco (para roubar descrição de Décio Pignatari em documentário sobre João Cabral),
geralmente representada pelo "conceitismo" de Francisco de Quevedo, ainda que muitos críticos tenham já
demonstrado como o conceitismo e o cultismo de Quevedo e Góngora não são compartimentos estanques.
É interessante lembrar que, na correspondência entre Octavio Paz e Haroldo de Campos, logo em seu
início, o poeta brasileiro, auto-denominado barroquizante, "repreende" a poesia hispano-americana por sua
profusão metafórica, sua ligação talvez "subserviente" ao surrealismo, descrição que é, de certa forma,
rechaçada pelo poeta mexicano. O surrealismo teria realmente se expandido na América Espanhola de
forma muito mais vigorosa que no Brasil, apesar das tentativas de poetas da década de 60 de
demonstrarem um veio surrealista subterrâneo correndo pela poesia brasileira. Eu acredito que o sucesso e
poder de penetração do surrealismo na América Espanhola deu-se, justamente, por infiltrar-se numa língua
e cultura que já tivera Luís de Góngora. No Brasil, apesar das listagens de Haroldo de Campos, incluindo de
Gregório de Matos (obviamente barroco, sem seu sentido histórico) a poetas do século XIX, de românticos a
simbolistas, de Sousândrade a Luís da Gama, passando por si mesmo e chegando a Paulo Leminski, a
situação é bastante diferente, eu creio. Além disso, demonstra mais uma vez aquela atitude de releitura do
passado a que me referi antes, menos como compreensão crítica que em busca de embasamento para as
próprias necessidades e respaldo para os próprios experimentos – atitude, de qualquer forma, sincrônica e
inevitável a qualquer poeta escrevendo no calor de sua hora.
Em textos pronunciados em geral na Europa, Murilo Mendes identificou Jorge de Lima como único
poeta moderno brasileiro em quem o Barroco histórico tivera efeitos visíveis. Apesar da acusação de geléia
geral, parece ter corrido no Brasil um veio de claridade e "enxutez", que de Antônio Vieira a Machado de
Assis, de Sousândrade a João Cabral de Melo Neto, separados por Manuel Bandeira e Carlos Drummond
de Andrade, espraiou-se até nossos contemporâneos pomares às avessas, mesmo que isto só seja visível,
em grande parte hoje, precisamente pelo trabalho de revisão crítica empreendido pelos concretos. Não
pretendo ignorar exceções, como Augusto dos Anjos e Euclides da Cunha, mas creio que poucos
discordariam que a sensibilidade poética brasileira trilhou caminhos (principais) diferentes da hispanoamericana
ao longo dos tempos.
No entanto, o Barroco histórico teria sido, segundo argumentos de Alejo Carpentier, não apenas um
estilo de época, mas uma atitude, uma postura poética. Qual seria esta postura? Eu acredito que esta
postura seria a apresentada por muitos poetas em diversas épocas e culturas, mesmo que em nenhum
momento lhes tenha sido entregue a marca registrada de barrocos, ou seja, a de resistir às tentativas de
síntese ou sublimação dos aspectos conflitantes do ser humano, sua carnalidade e espiritualidade, que em
alguns resolvia-se em dualismos (mais ou menos explícitos, como nos próprios barrocos espanhóis, ou
atingindo certa fusão jamais repetida nos metafísicos ingleses), em outros em refúgios transcendentais do
sublime (como em certos simbolistas, e penso aqui tanto em Cruz e Sousa como em Stefan George), a torre
de marfim, não política, mas que tenta colaborar com as defesas culturais e psicológicas da denial of death,
que, no entanto, em muitos mostrava-se na busca sempre do não-apaziguamento, entregando-se à
impossibilidade de pureza (como na contra-tradição moderna que remonta a Rimbaud, creio, mais que a
Baudelaire). Postura que, antes do século XVII, podemos já perceber no grotesco da Idade Média (como
nos estudos de Mikhail Bakhtin), ou depois dos barrocos do século XVII, em gente que se levanta contra a
Literatura (sempre ambiciosa de voltar ao mundo ordenado da Antiguidade segura e fixa) como o já citado
Rimbaud ou Lautréamont, que transformam de vez o ato da escrita em uma tomada de posição diante das
opções Arte X Vida (com seus dualismos, sua busca por pureza, aceitação do estático) ou a vidarte (com
suas miscigenações, impurezas, e sua preferência pelo extático). Ou seja, uma postura extra-literária, que
pode ser reconhecida em vários âmbitos culturais, advinda do questionamento humano de sua própria
mortalidade, o que nos mostra a falácia neobarroca em propor a trans-historicidade de suas propostas.
O próprio Octavio Paz argumenta em um ensaio, recolhido em Signos em Rotação, que toda a
história da literatura poderia ser dividida entre estes dois impulsos, o clássico e o barroco, como outros
críticos também a dividem entre o clássico e o romântico, fruto da obsessão modernista por dicotomias que
eles não buscavam apagar, ao trazer o grotesco ou o impuro para seu trabalho mas, na verdade,
enfatizavam pela crença na impossibilidade do sublime e puro a que nostalgicamente dirigiam suas
lamentações. E ao ler os textos críticos dos chamados poetas neobarrocos, entre as idades de 60 e 40
anos, por toda a América Latina, encontramos as defesas destas mesmas características: o nãoapaziguamento
das impurezas, a miscigenação de estilos, a quebra de dicotomias entre até mesmo o
masculino e o feminino, a inclusão das diferenças, ou seja, parâmetros em nada exclusivos do barroco
espanhol ou americano, sendo trabalhados por poetas em outros âmbitos, com resultados diametralmente
opostos algumas vezes. Sem falar na super-população de boas intenções no inferno literário. O tom
laudatório de muitos dos textos, com seu auto-referendar-se, trazendo para os textos críticos já a própria
profusão metafórica de sua poesia, o aproveitamento das vantagens de formarem um grupo, ao mesmo
tempo em que habilmente tentam rechaçar as limitações de serem um grupo, a suposta generosidade
crítica (eles se admiram mutuamente em números que podem chegar a 40, 50, 60 poetas em atividade)
podem ser contagiantes, mas precisamos ver de que maneira isto se resolve em sua prática poética. Este
inclusionismo também leva-os a não apenas nomearem poetas mais velhos e mortos como precursores,
mas a incluí-los em suas antologias como parte deles, num ato que considero desonesto em sua pilhagem
do referendo crítico que estes poetas já conquistaram.
Sou, quero deixar claro, tomado por grande simpatia por quaisquer poetas que defendam tais
parâmetros críticos, alguns deles os que defendo em propostas ao fim deste texto. Foi com emoção que
descobri o trabalho de Néstor Perlongher, que viveu e morreu em São Paulo, e que tratou de algumas das
questões que mais me ocupam nos últimos tempos, com seus questionamentos de gender, sua obra que é
um elegante ataque ao linear-discursivo, além do que já li ser chamado de o "travestismo poético" de
Roberto Echavarren, que em texto sobre a obra do próprio Perlongher escreveu: "Ser preciso es ser
extravagante", idéia bastante simpática para um poeta cuja obra circula num país onde ser preciso é ser
raquítico. Trabalhos com o camp, o kitsch, que são estudos impressionantes em quebra de dicotomias
fossilizadas na altura ou baixeza da arte. E, em minha própria busca pelo borrar destas separações, entre a
idéia do deserto moderno e a água das origens e do sagrado, não poderia deixar de me identificar com um
poeta que cunha o termo "neobarroso".
Mas pretendo focalizar neste texto como tais parâmetros têm se processado no Brasil, como estes
riscos levados a cabo têm aportado aqui. Para isso, discutirei pouco os pares hispano-americanos e mais os
desdobramentos brasileiros do movimento.
De que maneira então o grupo de poetas neobarrocos pratica esta miscigenação de estilos, esta
quebra de dicotomias, este ataque à descrição apaziguada de uma realidade externa mesquinha? O poeta,
tradutor, e talvez maior divulgador da poesia neobarroca entre os brasileiros é Claudio Daniel, organizador
da mais recente antologia do grupo publicada no Brasil, Jardim de Camaleões. Escrevendo sobre o
neobarroco, Daniel afirma que ele "se apropria de fórmulas anteriores, remodelando-as, como argila, para
compor o seu discurso; dá um novo sentido a estruturas consolidadas, como o soneto, a novela, o romance,
perturbando-as." Mais adiante, o poeta descreve ainda a busca por uma "linguagem pura, polifonia de
vocábulos", ainda que seus textos sejam "objetos de linguagem" (o que eu chamaria de playing safe, para
agradar a gregos e baianos). Em entrevista, falando sobre um trabalho em prosa seu (que ele mesmo diz
não diferenciar-se em processo de seu trabalho poético, aliás muitos dos escritores do grupo transitam pela
fronteira da prosa e da poesia, como o Haroldo de Campos tão discutido neste texto), ele escreve que a
"escritura faz um deliberado pastiche, sem qualquer compromisso com o realismo, a verossimilhança ou a
historicidade..." e seguindo na mesma entrevista, mais uma vez sobre o neobarroco, fala de "adereços
rituais de cerimônias mágicas", em "gozo bacante" e "delírio visionário", defendendo "luxúria semântica,
metafórica" e o ser "excessivo, multiforme, transbordante" e, por fim, que a poesia para ele significa
"metáfora, símbolo, imagens sonoras."
Há vários elementos em operação aqui. Em primeiro lugar, acredito que tal apropriação de "fórmulas
anteriores" e este "pastiche" declarado estão ligados à fossilização entre nós do que já discuti neste ensaio:
a crença na possibilidade de utilização de qualquer forma histórica, mesmo que "atualizada", inventada por
poetas para problemas específicos de seus contextos ao longo dos séculos, justamente por este descaso
(palavra ideologicamente carregada por minha irritação, que portanto mudo para despreocupação) com o
que o próprio poeta chamou de historicidade. É esta mesma despreocupação com a historicidade que leva
a grande maioria a praticar tal profusão metafórica em seus textos, ainda que mesmo entre eles se declare
que "a metáfora está morta." Não me parece à toa que em algumas páginas da internet eu tenha
encontrado o termo associado a maneirismo. Também deixo ao leitor deste texto julgar o que considero o
equívoco ingênuo de associar e equivaler realismo, verossimilhança e historicidade. Assim, neste turbilhão
de metáforas e estilos emprestados a outros tempos, produzem seus textos, que um deles, em uma
apresentação sobre o movimento, a cada cinco linhas dizia serem "muito difíceis." Os próprios poetas
parecem intuir esta disritmia entre sua poesia fortemente carregada de elementos míticos e religiosos (na
entrevista já mencionada, Claudio Daniel insinua o papel do poeta como sacerdote), num tempo que
desconfia deles e parece tê-los posto em xeque, ou trata-se de uma honesta busca por não separar suas
vidas de suas obras, que os leva a enveredar por orientalismos, experiências místicas com drogas como o
ahuasca e o daime, e a povoar seus poemas de imagens exóticas e místicas, preciosas, puras. Numa
entrevista, o poeta peruano-argentino Reynaldo Jiménez defendeu as noções arcaicas de poesia como
"cantar, celebrar" e sua busca pelas "facetas comoventes do incondicionado." Sim, o incondicionado, pois
no mundo de hoje é só ali que eles ainda poderão encontrar a "linguagem pura" e um lugar onde alguns
ainda acreditem no papel heróico do "poeta como visionário." Esta postura de "Sejamos Rimbaud" é muito
tentadora, e eu deixo mais uma vez declarada, aqui, minha admiração por alguém como Néstor Perlongher
que realmente parece tê-la vivido, pagando (como é de praxe) com a vida. O que não me parece ser o caso
de alguns destes poetas que, apesar de vociferarem contra o establishment literário, são publicados pelas
mais prestigiosas editoras do país, dirigem coleções em outras, efetuam liderança em outras facetas do
establishment e, apesar de defenderem a quebra de dicotomias (operada realmente por alguns dos
hispano-americanos), têm no Brasil representantes que defendem pureza de linguagem e separação da
poesia da realidade aviltante, entregando-se a simbolismos e metáforas, numa atitude tida por eles como
selvagem, mas que é tão domesticada como certas outras "desperate attempts to preserve the nobility of a
subdued but still romantic ego that must have the world on its terms", usando novamente as palavras de
Altieri. Além de manterem as mesmas velhas dicotomias de pureza e impureza, realidade e imaginação, que
faziam as delícias e horrores de certos modernistas, e levam alguns destes poetas no Brasil a prepararem
sua cruzada iracunda contra os infiéis que se recusam a segui-los em suas migrações a eras imaginárias. A
poética de alguns deles depende da sobrevivência destas dicotomias. Em uma entrevista a Armando
Alvarez Bravo, o poeta José Lezama Lima, discorrendo sobre o caráter religioso do processo de
significação poética, responde da seguinte maneira à pergunta de A.A. Bravo:

A.A.B. __ "Y el no católico, el ateo, qué significación encuentra? De dónde parte?"
J.L.L. __ "Bueno, pero usted me puede precisar el caso de um hombre que no crea absolutamente en nada,
que haga poesía."

Ainda que ele esteja certo sobre a inexistência de poetas totalmente céticos (e veja bem que A.A.
Bravo pergunta-lhe sobre o não-católico, o ateu, e não de algum ser hipoteticamente incapaz de crer em
qualquer além), e quanto ao leitor? Ou mais uma vez estamos diante de uma poesia para poetas? Seara
orgulhosa de seres com carências melancólicas? Será por isso que Lezama Lima depende da pregação do
retorno às origens para que seu sistema poético baseado na metáfora não caia por terra? Refugiar-se no
incondicionado poético a única maneira de destruir a causalidade aristotélica? A dicotomia resiste. Ele
escreve: "Con ojos irritados se contemplan la causalidad y lo incondicionado. Se contemplan irreconciliables
y cierran filas em las dos riberas enemigas." E segue com sua descrição da batalha numa argumentação
condicionada por sua crença no incondicionado poético, expressa na formulação: "Poética la voz, anónimo
el rostro. Buena señal." No entanto, ele busca a reconciliação do que dizia irreconciliável no próprio poema,
que se faz signo, testemunho deste combate. Mas entre os brasileiros, este combate não é sequer travado,
pois a causalidade de uma realidade tida como simplesmente aviltante, mesquinha, tanto a deles negada,
quanto a de seus "inimigos" baseada em noções de realismo e verossimilhança datados, é simplesmente
obliterada, fazendo com que ela se instaure ainda com mais força no fenômeno de sua exclusão da poesia
destes autores, que não precisam ser expulsos de qualquer gregariedade, pois já se auto-exilaram.
Assim, ao defenderem parâmetros bastante amplos de prática poética (aos quais me subscreveria),
por sua descontextualização desta mesma prática poética (contextualização que eu considero inescapável)
entregam-se, não a buscar como estes parâmetros aplicar-se-iam ao trabalho com a linguagem de seu
tempo (como fizeram de Arthur Rimbaud ao onipresente Haroldo de Campos), mas retornam a Góngora, a
Lautréamont, a Celan, a Helder, numa atitude de desregramento que nada tem de libertária mas, sim, como
muitos aspectos do modernismo, elitista. Muitos de seus textos só não são discursos lineares pela própria
natureza elíptica da metáfora.
É muito cedo para saber quais, entre estes 40, 50, 60 poetas em atividade, permanecerão e terão
sido capazes de escapar a estas armadilhas (ideologicamente armadas por gente como eu).
E não poderia terminar correndo o risco de criar a impressão de crer que, entre os concretos e os
poetas dos últimos 15 anos, nada foi feito por estas questões já trabalhadas, por exemplo, à exaustão nas
artes plásticas. Pois creio que alguns poetas brasileiros, entre a geração de 50 e a minha, propuseram
soluções geniais e estimulantes, como Orides Fontela, Torquato Neto, Roberto Piva, Hilda Hilst ou Paulo
Leminski. Fontela em seu sutil mas intenso trabalho no campo do processo epistemológico regendo nossas
compreensões da linguagem, nossos vícios simbólicos carregados para o semiótico, as relações entre
significante e significado, a intuição de que para talvez todos os seres dê-se o que Clarice Lispector
reservou para o ovo: "Ovo visto, ovo perdido"; Torquato entre os tropicalistas, fazendo um dos maiores
assaltos que este país já viu ao establishment acomodado nas alturas da Cultura, levando adiante o
trabalho do poeta como Kulturwissenschaftler; Piva, apesar do surrealismo tardio de Paranóia, deu-nos a
coragem contextual do pouco "comovente" condicionado em Piazzas e Abra a Boca e Diga Ah!, além de
denunciar imposições masculinas ao universal; Hilst negando qualquer forma de transcendência que
implicasse sublimação, em seus textos escritos por um corpo consciente; e Leminski, o autor do Catatau,
mas também da quebra de todas as dicotomias acima, em seus poemas ainda pouco estudados.
Além do trabalho de outros, tentando, buscando e atingindo resultados interessantes no processo de
desmetaforização de suas poéticas e, tomando como guia Wittgenstein, baseando-se na metonímia e até
mesmo na tautologia para a figuração ou transfiguração do mundo, e na exposição das formas de
dominação e distorção em qualquer ângulo ou perspectiva, individual e coletiva.(14)

3- ALGUMAS PROPOSTAS
* questionar se não se encerrou o ciclo histórico da poesia como "dichten, condensare", e se não
precisamos implantar no Brasil novos parâmetros para a prática poética; penso aqui nas performances do
John Cage que escreveu: “I have nothing to say / and I am saying it / and this is poetry”; de poetas como
Frank O'Hara, que fizeram do ato poético da escritura uma crônica da sua própria criação; ou John Ashbery,
que parece ter levado para a poesia a indagação na proposição # 523 das Philosophische Untersuchungen
de Wittgenstein:

<das bild="" mir="" sagt="" selbst="" sich=""> - moechte ich sagen. D.h., dass es mir etwas sagt, besteht in seiner eigene
Struktur, in seinen Formen und Farben. (Was hiesse es, wenn man sagte <das mir="" musikalische="" sagt="" selbst="" sich="" thema="">?(15) --- "<a a="" diz-se-me="" href="" imagem="" mesma="" si=""> - gostaria de dizer. Isto é, o fato de ela me dizer
algo, consiste em sua própria estrutura, em suas formas e cores. (O que significaria se alguém dissesse <o a="" diz-se-me="" mesmo="" musical="" si="" tema="">?", proposição # 523, Investigações Filosóficas, L. Wittgenstein.
talvez a proposição similar, de Jacques Roubaud, de que "A poesia não é parafraseável" ou "A poesia diz o
que ela diz dizendo-o"
;
* instaurar uma resistência interna no sistema que parece querer desumanizar-nos, guerrilha cultural de
sabotagem de discursos, apropriando-se da própria linguagem econômica, da moda, da ciência, para
explorá-las, investigá-las e desarticulá-las por dentro, cautelosos, no entanto, à admoestação proposta por
Umberto Eco, em seu Opera Aperta, do perigo de, ao mimetizar as transformações contextuais na arte, para
resistir-lhes, o artista acabe por instituí-las, justificá-las e concretizá-las, tendo que escolher entre este
perigo e o que creio ser a ineficiência da resistência externa (com o perigo de também acordar entre os
colaboracionistas); propor a possibilidade de, num borrar último das separações entre arte e vida, sublime e
grotesco, objetivo e subjetivo, levar o homem a uma nova unidade realmente libertária de inclusão total (ou
pelo menos mais eficiente) de diferenças;
* manter nossa atenção concentrada nas transformações contextuais do mundo, para buscarmos entender
nossas ações e reações dentro do grande sistema, conscientes de como a forma escolhida trará sempre
nossas distorções ideológicas, sem a indiferença de muitos artistas brancos, homens e heterossexuais,
simplesmente por terem a sua perspectiva como universal; assim, manter a consciência constante e
honesta de nossas escolhas formais condicionadas ideologicamente, pois a realidade entra na poesia pela
tirania impotente de qualquer eu regendo as regras d'o mundo ser invariavelmente meu mundo; a única
saída a responsabilidade de saber-se, como artista, manipulador e catalisador do contexto coletivo;
observar as intromissões do corpo em mulheres como Hilst, Waldrop, Hejinian, Albiach, Mayröcker, Lopes;
as intromissões do contexto exposto e as desarticulações do discursivo e linear em homossexuais como
Ashbery, O'Hara, Cage, Piva, Perlongher, Pasolini, Lorca, Spicer, espancando o conceitual substantivo do
particular camuflado de universal; assim como o questionamento do processo civilizatório branco e muitas
vezes eurocêntrico, obliterador de diferenças, impondo parâmetros únicos, como o exercido (ethnopoetics)
por poetas como Jerome Rothenberg ou Antônio Risério;
* seguir organizando antologias da produção contemporânea, mas após um primeiro momento de registro
de panorama, incluindo todas as tendências, passar à fase de selecionar, expondo as escolhas e o porquê
delas, numa atitude de seleção coerente com esta ideologia exposta e honesta, procurando o que é que
nosso tempo precisa para ser exatamente o que já é; esperando que os poetas abandonem o cômodo
estado atual das coisas em que tudo parece valer e exponham também suas escolhas, que eles obviamente
fazem diante da folha em branco, já que nenhum deles pratica dentro de sua obra todas as formas
históricas e estilos que eles declaram viáveis aos poetas;
* libertar-se por vez do hábito, que ainda rege nossas regras de bom gosto, dispostos a arriscarmo-nos,
como na pergunta de Ron Silliman em Sunset Debris: "Don't you see how so-called good writing is a sort of
distortion, positing dishonest limits on the real?";
* numa possível nova configuração poética que abandone o condensar pelo expandir, investigar o reverso
da moeda da proposta de Poe e entender que, hoje, talvez estejamos diante da impossibilidade do poema
curto;
* trabalho crítico que se espelhe no que T.S. Eliot escreveu sobre Ezra Pound, em sua posição privilegiada
na poesia do início do século, por não só compreender o estado em que se encontrava a poesia, mas
dispor-se a saber o caminho que ela devia seguir;
* na proposta de César Aira da literatura como "mera generalización de singularidades", instaurar o
movimento centrípeto de também uma "singularização de generalidades" para sobrevivermos, talvez, na
relação da biografia individual do poeta com sua coletividade histórica, nela possivelmente o único meio real
de expressão do poeta;
* pautar a apropriação e aprendizagem de técnicas de poetas de outros tempos, línguas e tradições pela
responsabilidade de sua necessidade histórica em nosso tempo, língua e tradição, sem a frivolidade do
novo pelo novo para garantir simplesmente um espaço nos jornais da tarde e nas revistas mensais;
* entender finalmente que a própria escolha da forma de um poema não apenas deveria relacionar-se com
seu conteúdo, como Charles Olson e Robert Creeley propuseram, de forma válida para a década de 50
americana, pois isto seria de certa forma ainda nos mantermos na dicotomia que as opõe: não mais apenas
FORM IS NOTHING MORE THAN THE EXTENSION OF CONTENT, como nas palavras de Creeley, mas
que forma e conteúdo são uma única estrutura-enunciado, inseparável. Proponho à minha geração a
deformação ideológica de FORM IS NOTHING MORE THAN THE INTENTION OF CONTEXT. E nossa
percepção de que a materialidade da linguagem precisa ser acompanhada pela consciência do
condicionamento do seu suporte, até mesmo nas implicações político-ideológicas de seus métodos de
distribuição e divulgação. Bruce Andrews, um dos poetas ligados ao movimento L=A=N=G=U=A=G=E da
poesia americana na década de 70 e início da 80, expôs de tal maneira a questão: "What's social here is not
some separable content, but the Method of writing &amp; of editing." E segundo o Wittgenstein do Tractatus
Logico-Philosophicus, "Ethics and aesthetics are one and the same."

Bebedouro, SP, Brasil - 31/12/2005 a 29/01/2006


NOTAS
0 "O significado de uma palavra é seu uso na língua", na proposição # 43 das Investigações Filosóficas,
Ludwig Wittgenstein. (esta e outras citações no original alemão de Wittgenstein foram traduzidas pelo autor
deste texto, que gostaria de agradecer a Rodrigo Abdelmalack pelas sugestões e discussão de certas
soluções)

1 Pretendo retomar e elaborar este tópico em um próximo ensaio, mas num país como o Brasil, onde as
únicas questões de GENDER parecem chegar pelas lentes pessoais de críticos como Harold Bloom,
filtradas por sua cruzada iracunda e justificadíssima contra o que ele chama de "poética do ressentimento",
faz-se necessário estabelecer e clarificar desde já certa postura, para evitar mal-entendidos. Não me refiro
aqui à gender-burrice reinante em universidades norte-americanas onde a contextualização ideológica da
obra de poetas tem levado a um revisionismo baseado na guetificação da literatura. Argumento que
nenhuma criação, ou leitura de tal criação literária, escapa a condicionamentos ideológicos pessoais do
elaborador do texto, relacionando-se com os condicionamentos coletivos de seu tempo. Não se trata de
uma ressurreição do determinismo, nem da proposta de abandonarmos a leitura de certos poetas por serem
machistas, fascistas ou naturalistas, assim como não proponho que tomemos a leitura de outros por serem
gays, negros, mulheres, ou peixes dourados. Ainda assim, insisto que estas distorções ideológicas
influenciam nossa elaboração e leitura do cânone e de qualquer poeta estreante, que precisa inserir-se na
ideologia crítica dominante ou trabalhar dentro/contra ela. Refiro o leitor às discussões mais sérias de
GENDER sendo travadas na Europa, nas obras de teóricos como Luce Irigaray, Julia Kristeva, Judith Butler,
ou mesmo em uma crítica literária norte-americana como Marjorie Perloff, em seus estudos do trabalho
poético de John Ashbery, Frank O' Hara ou John Cage, por exemplo.

2 Como sugestão de como nossa percepção da realidade mudou, em uma nova instauração de parâmetros
críticos hegemônicos, mesmo entre a década de 40 ainda modernista de Auerbach e nosso momento
histórico, penso em Hiding, um dos estudos mais criativos e estimulantes das possibilidades criativas no
mundo de hoje, o "pós-moderno", em que o crítico e pensador Mark C. Taylor insinua que a sensação de
deformação do "real" e vazio de "sentido" dão-se, hoje, não pela crítica modernista do esvaziamento do
conteúdo, mas pela proliferação desenfreada de continentes, e passa a propor uma série de revisões para
que possamos criar possibilidades de inserção e resistência na arte hoje. Está na hora, também, de
pararmos de expelir meros diagnósticos da dessacralização do mundo, da perda do sublime, em "rehashes
of Waste Lands", em que até Haroldo de Campos incorreu num poema como "Finismundo: A Última
Viagem".

3 Não me refiro aqui a procedimentos de contextualização da arte que a tomam como reflexo passivo de
movimentações político-econômicas, como a proposição que liga a poesia concreta ao desenvolvimentismo
no contexto político de Juscelino Kubitschek ou "explica" a poesia modernista como reflexo do tenentismo;
não é a isso que chamo de "contextualização" do trabalho artístico, tentando criar relações simplistas de
causa e conseqüência cultural; mas buscar sensibilizar-se para a interligação de todas as formas de
manifestação, que nos leve a superar tais setas de direcionamento único e linear no âmbito cultural.

4 "...o mundo é meu mundo." Tratado Lógico-Filosófico, Ludwig Wittgenstein, discutindo a inserção do eu na
filosofia e na relação realidade/linguagem, em que propôe a famosa "Os limites da minha linguagem
significam os limites do meu mundo."

5 Permiti-me usar estas alternativas para entender os desdobramentos e funcionamentos da nossa poesia,
por se tratar de um movimento internacional o da poesia concreta, uma das mais bem sucedidas tentativas
de criação de debate mundial e pesquisa coletiva de problemas que transcendiam as fronteiras nacionais,
ainda que em cada país se estivesse ciente das suas próprias limitações, fazendo da poesia concreta não
só precursora, nas palavras de Kenneth Goldsmith, de todos os adventos culturais que nos trouxe a
internet, como também da atual situação globalizada da economia e troca de informações.

6 "... que meus pensamentos logo afrouxavam-se quando eu tentava, contra sua inclinação natural, forçálos
a seguir numa direção. E que isto estava relacionado claramente à própria natureza da investigação."
Prefácio às Investigações Filosóficas, Ludwig Wittgenstein.

7 "O fora-de-foco não é com freqüência justamente do que precisamos?", proposição # 71, Investigações
Filosóficas, L. Wittgenstein.

8 "Como se fosse nossa lógica, por assim dizer, uma lógica para o vácuo." proposição # 81, Investigações
Filosóficas, L. Wittgenstein.

9 O poema de Williams, publicado em Spring and All (1923), é:

THE RED WHEELBARROW
so much depends
upon
a red wheel
barrow
glazed with rain
water
beside the white
chickens
Na tradução de José Paulo Paes:
O CARRINHO DE MÃO VERMELHO:
tanta coisa depende
de um
carrinho de mão
vermelho
esmaltado de água de
chuva
ao lado das galinhas
brancas.

10 Uma Carriola Vermelha, trad. Ricardo Domeneck
Relaxe e olhe esta maldita carriola. O que quer
Que seja. Cães e crocodilos, refletores. Não
Por seu significado.
Por seu significante. Por ser humano
Os signos elidem você. Você, nada brilhante,
É um sinal para eles. Não,
Eu assino, os cães e crocodilos, refletores. Não
Seu significado.

11 As citações de Perloff, Waldrop, MacCaffery &amp; nichol nesta discussão da fronteira prosa/poesia, ao
analisar as Galáxias de Haroldo de Campos, foram todas extraídas do ensaio "Haroldo de Campos's
Galáxias and After", de Marjorie Perloff.

12 Não quero minimizar a grande contribuição de Noigandres para a "life of the problem" das relações
semântico-sintáticas ao trazer o processo cognitivo e de interpretação do eixo de referencialidade para o
plano da relacionalidade, sua compreensão crítica do método ideogrâmico de Pound, mas creio que a
mentalidade do Alto Modernismo ainda vigora nas preocupações destes poetas, num modernismo em suas
versões nostálgicas da centralização e ambição de abarcar o mundo.

13 Eu creio, como Mircea Eliade sugere em muitos de seus livros, como O Sagrado e o Profano, Imagem e
Símbolo, O Mito do Eterno Retorno, que, mesmo no mundo moderno, formas do sagrado sobrevivem, ainda
que deformadas em meio às nossas manifestações sociais. Poderíamos entender mesmo certas obras de
Andy Warhol ou José Agrippino de Paula como demonstrações da nossa necessidade (talvez vício) pela
divindade, e sua permanência.

14 Assim como os artistas plásticos questionaram o condicionamento do chamado cubo branco dos museus
e galerias (num belo exemplo de denúncia de um artifício mascarado em naturalidade) e até mesmo
filósofos, que sempre pareceram acima de condicionamentos históricos (em sua crença ingênua de
escreverem numa linguagem ideal, clara, universal), hoje despertam para os condicionamentos implícitos
em questões estilísticas, necessitamos como poetas despertar para os nossos próprios artifícios e
distorções. Como os artistas plásticos que questionaram os suportes de distribuição e exposição de sua
obra, e pensadores como Charles Altieri e Bereg Lang, entre outros, que em ensaios do volume The
Question of Style in Philosophy and the Arts, citado por Michael Peters e Nicholas Burbules em seu estudo
de Wittgenstein, intuíram que "any choice of style - whether conscious or not, whether defined in terms of the
individual or by a particular tradition - will envolve a commitment to certain metaphors and models of
representation."

15 "</o></a><a a="" diz-se-me="" href="" imagem="" mesma="" si=""> - gostaria de dizer. Isto é, o fato de ela me dizer algo, consiste em
sua própria estrutura, em suas formas e cores. (O que significaria se alguém dissesse <o a="" dizse-="" me="" mesmo="" musical="" si="" tema="">?", proposição # 523, Investigações Filosóficas, L. Wittgenstein. Todo poema diz um "A
vida se-me-é" e recusa-se a entender o que diz?

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NOTA DO AUTOR (2006)
Gostaria de agradecer aos amigos Pablo Gonçalo, Rodrigo Abdelmalack e Érico Nogueira pela leitura do
texto, suas sugestões e críticas, durante o processo de sua escritura. Mais tarde, após a primeira versão
pronta, socorreram-me as sugestões críticas e debate de Dirceu Villa, Paulo Franchetti e Carlito Azevedo.
Quaisquer incoerências ou erros permanecem pura e simplesmente por minha teimosia. Esta é minha
tentativa de contribuição ao debate poético no Brasil. Se permiti, em vários momentos, que meu tom de voz
abandonasse o comportado-profissional e diplomático-acadêmico, foi por ter-me divertido imensamente com
sua escrita, e com a leitura que fiz há tempos do ensaísmo de Ezra Pound, que permitia que o calor da hora
e sua paixão pela poesia tomassem conta de seu julgamento. Pois aqui está o calor da hora de minha
preocupação com o papel da poesia na sociedade contemporânea, além de minha paixão por sua prática.
Por fim, gostaria de dizer que este texto é dedicado a Marília Garcia.</o></a></das></das>