sábado, 7 de julho de 2012

A 4ª Internacional na América Latina: os anos 1950


Michael Löwy1


RESUMO
Traça um painel sobre a ação e o desenvolvimento das
organizações políticas da América Latina vinculadas às idéias de
Leon Trotsky, na década de 1950, bem como de sua historiografia.

PALAVRAS-CHAVE
Partidos políticos; América Latina; Leon Trotsky.

Os anos 1950 foram um período difícil para os movimentos
trotskistas na América Latina: foi uma época de crise, de divisão,
por vezes de marginalização (a “travessia do deserto”), mas
também, ao menos em certos países, um período de participação
nas grandes lutas operárias e populares, por vezes até nos
movimentos revolucionários de massa.

Foi também a era dourada do populismo, isto é, dos
regimes bonapartistas como os de Perón (1944-1955), Vargas (1950-
1954), Paz Estensorro, na Bolívia (1952-1956), Jacobo Arbenz, na
Guatemala (1951-1954), que se apoiavam nas mobilizações
populares para realizar certas reformas e promover um
desenvolvimento industrial nacional.

Alguns dos mais importantes movimentos sociais dessa
época foram dirigidos por forças de tipo populista: foi o caso
especialmente do movimento sindical peronista na Argentina e
da revolução boliviana, hegemonizada pelo Movimiento
Nacionalista Revolucionário (MNR). No Brasil os burocratas
sindicais fiéis a Getúlio Vargas (organizados no Partido
Trabalhista Brasileiro - PTB) disputaram o controle do movimento
operário com o Partido Comunista.

Foi somente no Chile, e, em certa medida, no Uruguai,
que partidos operários, socialistas e comunistas, tiveram a direção
no movimento operário e sindical. A política dos stalinistas,
presentes em todos os países do continente, mas fortemente
implantados no Chile, no Brasil, no Uruguai e na Guatemala,
evoluiu consideravelmente no curso desse decênio: após um
período sectário, durante a Guerra Fria, o 20º Congresso do Partido
Comunista da União Soviética (PCUS) abriu em 1956 uma época
de crise, várias vezes seguida de um período direitista.

É neste contexto que irão evoluir as organizações que se
reclamavam do trotskismo e tentaram inserir-se nos sindicatos
populistas ou praticar o entrismo nos partidos comunistas e
socialistas; o conhecimento dessas organizações nesse período não
é fácil: os fatos mais elementares são freqüentemente cobertos
com uma espessa camada de polêmicas fracionais locais e
internacionais.

Além disso, não há uma história crível do trotskismo
latino-americano. Existem, evidentemente, trabalhos sobre a
Argentina, a Bolívia, o Brasil, por exemplo, mas a única obra de
peso sobre o movimento em escala continental é a de um
pesquisador universitário americano, Robert Jackson Alexander3,
Trotskyism in Latin América4, publicada pela Hoover Institution
de Harvard, uma fundação criada em honra do antigo chefe do
Departamento Federal de Investigação (Federal Bureau of
Investigation 3/4 FBI), especializado na luta contra o comunismo...

Este livro é uma mina de informações, especialmente graças às
entrevistas do autor com antigos dirigentes trotskistas latinoamericanos,
mas lhe falta um mínimo de estrutura analítica ou
quadro de referência; além disso, a total exterioridade em relação
ao sujeito por parte do autor, social-democrata convicto, o impede
muitas vezes de compreender as disputas políticas dos debates.

Há também um excelente dossiê sobre os anos 1930,
organizado por Pierre Broué5 e publicado nos Cahiers Leon Trotsky,
mas que não vai além de 1940. Por fim, um antigo aluno de Broué,
o historiador Osvaldo Coggiola, publicou no Brasil um pequeno
livro6 útil, mas muito curto e unilateral, sobretudo no que se refere
aos anos posteriores à cisão de 1953.

Durante os anos 1950, as organizações trotskistas tiveram
uma real influência, especialmente na Argentina, na Bolívia e no
Chile, mas houve grupos ou núcleos mais ou menos importantes
no Brasil, Uruguai, Peru, México e Cuba. Encontram-se referências
também a núcleos na Colômbia, Equador, e El Salvador, mas há
pouca informação a seu respeito. Na maioria destes países o
movimento dividiu-se em grupos e frações antagônicas, que se
organizaram, a partir da cisão da própria Internacional, em dois
blocos: o Bureau Latino-Americano (BLA) 3/4, filiado ao
Secretariado Internacional da 4ª Internacional (SI), e o Secretariado
Latino-Americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO), filiado ao
Comitê Internacional.

Estes grupos eram extremamente reduzidos 3/4 menos de
uma centena de militantes 3/4, mas a dedicação de seus ativistas e a
radicalidade de suas posições, inspiradas pela teoria da revolução
permanente e o Programa de Transição, lhes assegurou um eco
bem maior que sua força organizada. Alvos da repressão policial
e militar e a hostilidade implacável dos stalinistas, dificilmente
conseguiram sair de seu isolamento. É verdade também que suas
práticas eram bastante sectárias e fracionais e suas análises muito
otimistas, se não triunfalistas, ou muito calcadas nos textos
“clássicos” de Trotsky e sobre o modelo da Revolução Russa.

Na Argentina, o movimento constituiu-se essencialmente
por duas correntes cujas organizações trocavam freqüentemente
de nome e que é preciso, portanto, designar por aquele dos seus
dirigentes verdadeiramente carismáticos, Nahuel Moreno,
pseudônimo de Hugo Bressano, e J. Posadas, pseudônimo de
Homero Cristalli. Ao longo dos anos 1940 estas duas correntes
distinguiram-se claramente por sua atitude em relação ao
peronismo: enquanto o Partido Obrero Revolucionário (POR) de
Moreno denunciava o governo peronista por suas características
fascistas ou semifascistas, o Grupo Cuarta Internacional (GCI) de
Posadas o definia como típico caso do governo nacionalista de uma
semicolônia. Posadas e seus camaradas, que pregavam, na
Argentina e em outros lugares, a formação de um partido operário
baseado nos sindicatos, tomaram, no curso dos anos 1950, a
direção do BLA, animado desde então pelo militante uruguaio
Ortiz, pseudônimo de Alberto Sendic. Este Bureau, criado em
1948, em acordo com o SI, durante uma Conferência Latino-
Americana em Buenos Aires, foi formalmente instituído pelo 3º
Congresso de 1951 e se tornou, dez anos mais tarde, a principal
base da cisão “posadista” da Internacional.

O 3º Congresso foi o ponto de partida de um crescente
interesse da Internacional pelas revoluções do Terceiro Mundo
3/4 chamadas de revolução colonial, na terminologia da época 3/4
e em particular pela América Latina, que foi objeto, pela primeira
vez, de uma resolução específica.

Ao longo dos anos 1950 a reflexão da Internacional sobre
os movimentos populares latino-americanos foi intimamente
ligada à sua análise da revolução colonial, isto é, da guerra da
Indochina, da ascensão do nasserismo, do Pacto de Bandoeng e
da guerra da Argélia.

Foi também no Congresso de 1951 que se decidiu
reconhecer o grupo de Posadas como seção argentina da 4ª
Internacional em razão de sua organização séria e de uma análise
política julgada mais correta.7 É preciso destacar que nessa época
Posadas não havia iniciado seu extravagante e tragicômico desvio
político e sua equipe argentina contava com muitos dirigentes
conhecidos 3/4 Roberto Muniz, José Lungarzo, Oscar Fernandez 3/4
e uma plêiade de quadros, entre os quais se pode citar Adolfo
Gilly, Alberto Pla, Guillermo Almeyra, Angel Fanjul, assim como
os uruguaios Alberto Sendic e Gabriel Labat.

Aliás, o POR de Moreno aceitou o reconhecimento do GCI
como seção, pedindo apenas que ele trocasse de nome, e fez uma
autocrítica pública por ter recusado a palavra de ordem de frente
única antiimperialista.8 Foi o início de uma reorientação política de



Moreno e de seus amigos que os conduziu, em 1954, a unir-se a
um partido peronista de esquerda (Partido Socialista de la
Revolución Nacional) e até, em 1956, a publicar seu jornal Palabra
Obrera como um órgão sob a disciplina do general Perón e do Conselho
Superior peronista! Ao longo dos anos 1950 os dois grupos
conquistaram uma base sindical não desprezável, suas posições
sobre o peronismo aproximaram-se bastante 3/4 sem que isso em
nada diminuísse sua rivalidade e hostilidade recíprocas.

A Bolívia foi de longe o país onde o trotskismo teve sua
maior influência, especialmente no poderoso sindicato dos
trabalhadores em minas (Federación Sindical de Trabajadores
Mineros de Bolívia FSTMB), que aprovou, em seu congresso de
1946, em Pulacayo, um conjunto de teses redigido por um
dirigente do POR boliviano, Guillermo Lora, que retomou e
adaptou ao contexto do país as idéias centrais do Programa de
Transição. Entretanto, ao contrário dos grupos argentinos, o POR
boliviano permaneceu mais uma rede de militantes que uma
organização de vanguarda estruturada e orgânica.

Durante a revolução de 9 de abril de 1952 3/4 operária por
sua base social, com aspirações nacionalistas e democráticas
radicais 3/4 o POR boliviano deu apoio crítico ao MNR
(Movimiento Nacional Revolucionário) de Paz Estenssoro e de
Juan Lechin, e conquistou por alguns meses uma posição
hegemônica à frente da Central Obrera Boliviana (COB). Em
setembro de 1952 a COB adotou uma plataforma redigida por
um dirigente do POR, Hugo González Moscoso, que propôs a
constituição, por sindicatos, de uma assembléia de trabalhadores,
estrutura de duplo poder visando a instauração de um governo
operário e camponês. Sob pressão das bases populares, Paz
Estenssoro foi obrigado a expropriar as minas de estanho, a
depurar o exército e a decretar uma reforma agrária. Entretanto,
ele não pôde tolerar a ameaça que representava uma COB
independente, fortemente influenciada pelas teses trotskistas da
revolução permanente; durante os últimos meses de 1952, o MNR,
por meio de sua ala esquerda e através do sindicalista Juan Lechin,
conduziu uma ofensiva contra o POR e, com o apoio dos
stalinistas, retomou o controle da central operária.

Ao longo dos anos seguintes, o POR conheceu, de 1953 a
1956, uma crise grave que teve como resultado dividi-lo e
enfraquecê-lo consideravelmente. As circunstâncias precisas não
são fáceis de estabelecer. As principais fontes são os livros de
Lora, muito documentados, porém bastante deformados pelo
espírito fracional e privados de um mínimo de objetividade.9
Tentaremos resumir as principais etapas desta crise.

Em junho de 1954 o 10º Congresso do POR aprovou as
teses apresentadas por Guillermo Lora sob a seguinte orientação:
Longe de lançar a palavra de ordem de derrubada do regime
Paz Estenssoro, nós o apoiamos a fim de que ele resista à
ofensiva da Rosca10 e chamamos o proletariado a defender
incondicionalmente a revolução boliviana e seu governo
transitório [...] A tarefa imediata não é gritar ‘Abaixo o
governo’, mas exigir dele que realize as reivindicações
fundamentais da revolução.

Aliás, este documento considera a possibilidade de uma
predominância da esquerda no MNR:

É somente nestas condições que se pode colocar a eventualidade de
um governo de coalizão do POR e do MNR, que seria uma maneira
de realizar a fórmula ‘governo operário e camponês’, o que, por
sua vez, constituiria a etapa de transição rumo à ditadura do
proletariado.11

Seguindo estas teses, duas frações se constituiriam no
POR, a Fração Operária Leninista (FOL), dirigida por Lora e o
sindicalista Erwin Moller, e a Fração Proletária Internacionalista,
de Hugo González Moscoso e Fernando Bravo, que rejeitava esta
orientação e propunha uma linha de ruptura com o MNR e a
constituição de um duplo poder a partir da COB.

Em 1954, uma parte da FOL, sem Lora, sob a direção de
Erwin Moller, rompeu com o POR para aderir ao MNR.

Contrariamente às esperanças dos trotskistas, não foi o POR que
atraiu Lechin e a esquerda do MNR, mas, ao contrário, foi este
que provocou a cisão do POR. A tendência de Hugo González
Moscoso tornou-se majoritária e obteve o apoio do SI, mas Lora
não aceitou sua derrota e, após algumas hesitações, cindiu e
formou seu próprio POR em torno do jornal Masas. Enfraquecido
por estas defecções e pelas lutas fracionais, o POR, nas eleições
de 1956, obteve só 2.239 votos...

Alguns meses antes do 4º Congresso Mundial, em dezembro
de 1953, reuniu-se uma conferência das seções latino-americanas
da 4ª Internacional convocada pelo BLA, que se declarou solidário
com o SI e a sua orientação política. Os documentos desta
conferência deixaram poucas indicações sobre os indivíduos e as
organizações participantes, salvo para lamentar a ausência,
involuntária, da seção boliviana. Foi Posadas quem apresentou o
informe sobre a situação política, a qual definiu, segundo seu habitual
método, de modo linear: A consciência política do proletariado se eleva
continuamente etc. As resoluções da conferência, por outro lado, foram
mais nuançadas e condicionais e sugeriam uma visão dialética da
construção da vanguarda:

É impossível conquistar a direção das massas sem trabalhar
em seu meio e sem dispor de forças de vanguarda relativamente
importantes. [...] É impossível triunfar na vanguarda sem realizar
um trabalho no meio das massas e sem levar uma luta teórica e
política contra todas as correntes centristas, oportunistas,
stalinistas, etc.12

Em julho de 1954 reuniu-se o 3º Congresso da
Internacional, com a participação de onze delegados latino-americanos,
entre os quais Posadas, Oscar Fernández, Hugo González
Moscoso, Guillermo Almeyra (então residindo no Brasil), Leôncio
Martins Rodrigues, dirigente do POR brasileiro, transformado
hoje num dos principais politólogos não-marxistas deste país, e
Ortiz. A ausência de certas organizações, como o partido de
Nahuel Moreno, mostrava que a cisão da Internacional começava
a ter efeitos na América Latina.

O manifesto do Congresso mal menciona a América
Latina, e a resolução política concede alguns parágrafos aos países
deste continente no capítulo Tarefas Particulares. Este documento
toma claramente posição no debate boliviano chamando a uma
franca denúncia do curso direitista e até reacionário do governo 3/4
mesmo alimentando ainda a ilusão de uma possível ruptura da
ala esquerda do MNR. Recomendações mais detalhadas às seções
latino-americanas foram elaboradas por uma comissão composta
pelos onze delegados do continente e por Pierre Frank e Michel
Pablo. Este texto de vocação interna lembra a necessidade de lutar
na Argentina e no Uruguai por um partido operário baseado nos
sindicatos e busca traduzir para a realidade política do continente
a tática entrista aprovada pela Internacional como orientação
geral. Isto significava no Chile a entrada no Partido Socialista
Popular (PSP), no Brasil no PCB e no Peru um trabalho entrista
parcial na APRA.

As proposições sobre a Bolívia foram mais duras ainda
que aquelas da resolução política. Eles requeriam do POR que
acentuasse sua crítica ao governo de “esquerda” e que tivesse
poucas esperanças nas diferenciações internas no MNR. É preciso
constatar que nenhum dos documentos da 4º Congresso
considerava a América Latina como um conjunto de características
comuns: trata-se assim do conjunto dos países “coloniais e
semicoloniais”, logo, de certos países latino-americanos
considerados separadamente.

Durante os anos 1955-1956 a cisão do trotskismo na
América Latina aprofundou-se. O BLA de Posadas e Ortiz, filiado
ao Secretariado Internacional, organizou em março de 1965 no
Uruguai, e não no Chile como se indicou nos textos oficiais, a 3ª
Conferência Latino-Americana com a participação de 45
delegados representando seis países (Argentina, Bolívia, Brasil,
Chile, Peru, Uruguai). Entre estes, destaque-se a presença de José
Maria Crispim, antigo dirigente e deputado do PC do Brasil, que
havia recentemente aderido à seção brasileira. O informe de
Posadas nesta conferência era típico do triunfalismo que
caracterizava o BLA, porém em um grau menor que o do SI:

As lutas revolucionárias das massas latino-americanas
desenvolveram-se a um tal ponto que elas são irreversíveis e se
encaminham ao poder operário e camponês.13

Os grupos de militantes argentinos e uruguaios em torno
de Posadas 3/4 uma equipe homogênea e coesa de “revolucionários
profissionais” inteiramente devotados à causa 3/4 exerceram uma
influência determinante sobre o BLA e enviou freqüentemente
emissários e conselheiros às outras seções em estadias que iam
de alguns meses a muitos anos.

Alguns meses depois, em setembro de 1956, os partidários
do Comitê Internacional por seu turno reuniram-se e fundaram, em
uma reunião na Argentina, o SLATO. A principal base desta corrente
era o POR argentino de Nahuel Moreno que, de acordo com suas
declarações, não ultrapassava a uma centena de militantes, mas que
tinha uma crescente influência nos sindicatos da CGT peronista e
reunia ao seu redor quadros de valor: Milciades Peña, um brilhante
historiador marxista, autor de um livro notável, Masas, Caudillos y
Elites, que se suicidou aos 32 anos em 1963, Angel Bengoechea, Daniel
Pereyra e Hugo Blanco, que voltou ao Peru em 1956. No Chile, o
POR era uma pequena organização, com 34 membros declarados,
cujo principal dirigente era Luís Vitale, historiador, autor de uma
História marxista del Chile em 4 volumes; Vitale rompeu em 1954 com
o SI e criou um comitê latino-americano do trotskismo ortodoxo,
primeira etapa rumo à constituição do SLATO. Estes dois grupos e
um outro menor ainda no Peru constituíam o essencial das forças
ligadas ao Comitê Internacional.

O documento da conferência latino-americana de 1956
denunciou o “liquidacionismo pablista” e criticou a política
entrista no Chile e no Peru. Curiosamente não conta com nenhuma
divergência sobre a Argentina, pois os dois rivais pareciam
desenvolver análises similares sobre o peronismo. Sobre a Bolívia,
o SLATO se limitou a descrever as diferentes frações do POR,
afirmando que a de Moscoso segue o pablismo com uma orientação
política independente e, em geral tem uma posição política mais correta.

A análise da conjuntura de Moreno em seu informe geral é mais
sóbria e realista que aquela do BLA:

A posição do imperialismo US foi reforçada ultimamente como
conseqü.ncia da derrota da revolução guatemalteca, da
derrubada do regime de Perón, etc. [...] Enquanto na Ásia o
proletariado tem um luta em ascensão, na América Latina a
classe operária recua.

O documento do SLATO reconhecia, em outro lugar, em um
testemunho extremamente revelador, que o Comitê Internacional:
Não é nada mais que uma força que representa uma frente
única contra o pablismo [...]. Esta frente única deveria iniciar
uma discussão sobre questões políticas, de modo a poder
formular uma orientação política precisa e homogênea.14
Foi em setembro de 1957 que se reuniu o 5º Congresso
Mundial, com a participação de 14 delegados latino-americanos,
entre os quais Posadas e Oscar Fernández pela Argentina,
Fernando Bravo e Jesus Maria Morales do POR boliviano, José
Maria Crispim e Gabriel Labat, arquiteto uruguaio enviado ao
Brasil pelo BLA, pelo POR brasileiro, Jorge MacGinty e Raul
Santander pelo POR chileno, Ismael Frias, pelo Peru e Ortiz pelo
Uruguai.

A América Latina pouco apareceu nos documentos do
Congresso, submersa no conjunto da revolução colonial. No
Manifesto, apesar disso, há alguns parágrafos sobre a Bolívia,
como sempre excessivamente otimistas:

O espírito combativo das heróicas massas bolivianas [...] é mais
elevado que nunca. Guiadas pelo POR, seção boliviana da IV
Internacional, brevemente saberão impor a convocação de um
Congresso Extraordinário da COB que decidirá pela formação
de um verdadeiro Governo Operário e Camponês, liberando
as massas do país do pesadelo econômico no qual vivem
atualmente e da ameaça de uma ditadura.

De todas estas previsões foi a da ditadura que se realizou
alguns anos mais tarde.

Mais interessante e mais realista é um documento interno
que reúne as resoluções do congresso sobre as tarefas das seções
latino-americanas. O texto sobre a Bolívia, destinado unicamente
aos membros do CEI, do BLA e à seção boliviana reconhecia a possibilidade
de uma evolução ulterior da revolução boliviana rumo a um patamar
de estabilização capitalista e até um “regime forte”. Neste contexto,
insistia sobre a importância do trabalho militar do POR:

O Partido deve opor-se com extrema energia à reorganização
e à consolidação do exército burguês. Ele oporá o crescimento
do armamento dos operários e camponeses, sob comando
nacional único [...]. O Partido deve ser capaz de ligar-se
organicamente com as formações militares das massas e de
prosseguir, ao mesmo tempo, em um trabalho sistemático de
penetração no exército e na polícia burgueses. O Partido devese
ligar aos elementos revolucionários experientes ou desejosos
de se aplicar à atividade militar [...] e compeli-los a considerar
o prosseguimento da luta armada, mesmo no caso de um
sucesso provisório da reação, sob a forma de uma guerrilha
prolongada de militantes. Esta última questão deve ser
estudada com a extrema seriedade que ela merece e considerada
concretamente.15

No momento em que este texto foi publicado, uma guerrilha
prolongada de militantes lutava, sob a direção de Fidel Castro,
Camilo Cienfuegos e Ernesto Che Guevara, nas montanhas de
Sierra Maestra em Cuba. Entre o punhado de combatentes que
sobreviveram ao desembarque do Granma em 1956 encontrava-se
o operário negro Pablo Dias, velho militante trotskista sob o nome
de Lassalle, que pertenceu ao Partido Bolchevique-Leninista de
Cuba nos anos 1930 e depois.

A vitória dos revolucionários cubanos em janeiro de 1959
sobre a ditadura do general Batista iria mudar a história da
América Latina, abrindo um novo período revolucionário. Foi
esse também o início de um novo capítulo para os partidários
latino-americanos da 4ª Internacional, que viram romper seu
isolamento e multiplicar suas forças em todo o continente.


NOTAS:
1 Michael Löwy nasceu em São Paulo, e formou-se em Ciências Sociais na
Universidade de São Paulo. Vive há quatro décadas na França, onde é diretor
emérito de pesquisas do Centre National de Recherches Scientifiques (CNRS).
Suas obras estão traduzidas em mais de 22 países. <lowym@free.fr>
2 Publicado originalmente nos Cahiers Leon Trotsky, Grenoble, n. 70, p. 99-109,
jun. 2000.
3 A coleção de entrevistas foi depositada no Special Collections and University
Archives, Rutgers University, New Brunswick, NJ e reproduzida para
comercialização pela IDC Publishers. O AEL possui em 15 rolos de
microfilmes, as 213 entrevistas da Interviews Collection Robert Alexander
[Robert Jackson Alexander], relativos ao período entre 1947 e 1994. Cf.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Arquivo Edgard Leuenroth.
Coleção Interviews Collection. Disponível em: <http://
www.ifch.unicamp.br/ael/website-ael_icra/website-ael_icra.htm>. Acesso
em: 11 jan. 2007. (N. Ed.).
4 ALEXANDER, R. J. Trotskyism in Latin America, Stanford: Hoover Institution
Press, 1973. 303 p.
5 BROUÉ, P. Cahiers Leon Trotsky, Grenoble, n. 11, p.13-30, set. 1982. (N. Ed.)
6 COGGIOLA, O. O trotskismo na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1984.
7 PRAGER, R. (Org.). Les congrès de la Quatrième Internationale: manifestes,
thèses, résolutions. v. 4: Menace de la troisième guerre mondiale et tournant
politique (1950-1952), p. 299-300.
8 Ibid, p. 298-301.
9 Isto também é válido para o livro publicado na França, em 1972, com um
longuíssimo prefácio de dois militantes da Organisation Communiste
Internacionaliste, Catherine e François Chesnais, Cf. LORA, G. Bolivie: de
la naissance du POR à l’Assemblée populaire. [Paris], EDI, 1972. Para uma
apresentação mais objetiva dos fatos pode-se consultar o livro de um
historiador inglês de esquerda, DUNKERLEY, J. Rebellion in The Veins:
Political Struggle in Bolívia, 1952-1982. Londres: Verso, 1984.
10 Na Bolívia, “rosca” designa a oligarquia rural e mineradora.
11 LORA, op. cit., p. 35-43.
12 Bulletin Interne du Sécretariat International, [S.l.], p. 4, 10-11, jan. 1954.
13 Bulletin Interne du Sécretariat International, [S.l.], p. 7, maio de 1956.
14 Summary of the Report of the Latin-American Pré-Conference of Orthodox
Trotskyism, which took plane in Argentina in the month of September 1956,
lasting 10 days.
15 Bulletin Interne du Sécretariat International, p. 2-3, nov. de 1957. (La situation
bolivienne et les tâches du POR).
















Nenhum comentário:

Postar um comentário