terça-feira, 9 de outubro de 2012

CARTA DE NAHUEL MORENO À DIREÇÃO DE ALICERCE


Começou a revolução brasileira?
Buenos Aires, 11 de maio de 1984
À direção de ALICERCE

Estimados camaradas:
Impactados pelos acontecimentos que comovem vosso país, resolvemos seguir diariamente a situação e ler, enquanto cheguem, vossos documentos. Pensamos assim colaborar com vocês, ainda mais do que vínhamos fazendo, na elaboração de vossa política.
Lemos os seguintes materiais: os dois últimos jornais, o documento de 28 de abril e o boletim Interno nro.17 de 3 de maio. Acreditamos que vossa análise da situação pode sintetizar-se esquematicamente em três pontos (vocês dirão se estamos enganados):
Primeiro: definem a situação como revolucionária a partir do "gigantesco comício de um milhão de pessoas no Rio de Janeiro pela campanha das diretas". Completam e precisam esta definição com outra: não houve crise revolucionária. Esta crise, da mesma forma que a queda do governo, o triunfo da Emenda no Parlamento e a greve geral, estiveram a centímetros de dar-se, puderam concretizar-se, mas não se deram porque as direções traíram a greve geral. 
Segundo: para vocês, quem saiu triunfante da votação no Parlamento, desgastado, em crise mas triunfante, foi o governo ("foi uma vitória do governo à custa de um desastre brutal e sem poder reverter a etapa revolucionária", pág. 2-doc. 28/04/84). A conclusão é óbvia: neste confronto saiu derrotado o movimento de massas. Não foi uma derrota histórica, não modificou a situação revolucionária, mas uma derrota conjuntural é uma derrota. .
Terceiro: a derrota das massas e o triunfo do governo não têm maior importância, porque os trabalhadores e o povo deram um salto colossal na sua consciência política, como o demonstra a vaia a Brizola. Não se esqueçam que estou esquematizando e que existe certa imprecisão e confusão nos vossos documentos, plenamente justificadas porque faz pouco tempo que os acontecimentos se produziram.
Esta carta tem o objetivo de colocar-lhes nossas dúvidas, principalmente quanto a estas três caracterizações. Vamos por ordem.

A partir da manifestação do Rio se abriu uma crise revolucionária?

Nossa primeira dúvida está sintetizada no subtítulo. Vocês definem a situação como revolucionária; nós suspeitamos que desde a manifestação do Rio até a votação no Parlamento se abriu uma crise revolucionária. Vocês definem o que aconteceu da seguinte maneira: “o governo perdeu completamente o controle da situação, uma imagem característica de uma etapa revolucionária" (Doc. já citado, pág. 1). Justamente, para nós o que caracteriza uma crise revolucionária é que o governo perde ... "completamente o controle da situação". Nossa hipótese é de que as eleições estaduais de 82, nas quais o governo foi derrotado, abriram a crise deste, que se combinou com a crise econômica para inaugurar uma situação revolucionária. Esta, a partir da colossal e histórica manifestação do Rio, deu um salto à crise revolucionária. A votação no Parlamento fechou esta crise com uma colossal derrota do governo, não com seu triunfo, com uma vitória histórica do movimento de massas, não com a sua derrota.

Nova luz sobre a discussão

Com os companheiros de direção de vosso partido que nos visitaram, tivemos uma discussão mais de forma que de fundo. Os companheiros mantinham que a situação do ano passado, e de fato no começo deste ano, era pré-revolucionária; nós, que era revolucionária. Conseguimos uma fórmula de acordo: estava se passando de pré a revolucionária. Vocês dizem no documento que o que aconteceu demonstra que esta definição foi correta, porque recentemente, nas últimas semanas, a partir do Rio, passamos a situação revolucionária.
Suspeitamos que, tanto na discussão anterior, como na que se abre agora entre nós, sobre a caracterização da situação atual, existe mais que uma discussão de forma. Possivelmente o nó da questão está em não ter precisado bem as definições de situação e crise revolucionária. Se assim fosse, as discussões do ano passado sobre se a situação já era revolucionária ou não, adquirem nova luz. Isso é o que vamos tratar de provar.

As diferentes situações

Tudo o que dissermos sobre crise e situação revolucionária e pré-revolucionária são tentativas, já que são conceitos que estamos elaborando e reelaborando. Tem a ver com muitos fenômenos que se deram neste pós-guerra (e possivelmente na própria guerra mundial), sobretudo com as revoluções democráticas e/ou de fevereiro triunfantes.
Tínhamos para arrancar, duas definições de situação revolucionária. A de Lenin: "Os de cima não podem e os de baixo não querem". A de Trotsky, que dá quatro condições que a caracterizam: primeiro, uma crise muito aguda da burguesia; segundo, giro massivo da pequena-burguesia contra o regime; terceiro, vontade e organização revolucionária do movimento operário; quarto, a existência de um forte partido marxista revolucionário que dirija as massas e esteja firmemente disposto a tomar o poder (me limito a resumir a definição de Trotsky, em repetir citações que já demos em outras oportunidades). Situação pré-revolucionária foi definida por Trotsky seguindo o mesmo método e partindo de sua definição da revolucionária. Para ele a situação pré-revolucionária era igual à revolucionária menos o quarto fator, que era a existência de "um forte partido marxista revolucionário que dirija as massas e esteja firmemente disposto a tomar o poder", como resumimos nas linhas anteriores. A caracterização de situação pré-revolucionária era quando se davam as três primeiras condições da definição de situação revolucionária: “primeiro, uma crise muito aguda da burguesia; segundo, o giro massivo da pequena-burguesia contra o regime; terceiro, vontade e organização revolucionária do movimento operário”.
Mas, como já dissemos muitas vezes, neste pós-guerra triunfaram muitas revoluções, não só situações revolucionárias, sem maior influência da classe operária e sem que esta acaudilhe como classe o processo revolucionário (a terceira condição de Trotsky).
Tampouco se deu nenhum triunfo revolucionário que tenha sido dirigido por um partido marxista revolucionário (a quarta condição de Trotsky).
Os setores mais dinâmicos de quase todas as revoluções triunfantes nas últimas décadas, começando pela China, foram o campesinato ou setores urbanos não proletários, por um lado. Por outro, os partidos que dirigiram foram pequeno-burgueses e/ou burocráticos, desde Fidel Castro até Mao Tsé Tung.
Estes fatos nos levam, há alguns anos, a colocarmos a necessidade de encontrar outras definições das situações revolucionárias e pré-revolucionárias. Acreditamos estar perto da solução do problema: as duas primeiras condições de Trotsky (a crise burguesa e o giro da pequena-burguesia contra o regime dominante), algumas vezes foram suficientes para dar origem a situações revolucionárias, umas traídas por suas direções e outras, apesar destas, que levaram ao triunfo da revolução.
Se tivéssemos que sintetizar esta nova definição nos encontraríamos com a velha fórmula leninista: "existe uma situação revolucionária quando os de cima não podem e os de baixo não querem".
Se esta definição é correta, volta a colocar a necessidade de dar uma. Nova de situação pré-revolucionária, por uma razão de peso: as condições da situação revolucionária tal qual acabamos de defini-la tem um condicionamento a menos que a velha. definição de Trotsky de pré-revolucionária, já que não foi imprescindível que a classe operária fosse a vanguarda e a direção para o triunfo da revolução. Como definir então as situações pré-revolucionárias que se deram neste pós-guerra, as que antecederam as situações ou aos triunfos revolucionários?
Um primeiro elemento para conseguir avançar na definição é que tem que ser com menos condicionamentos do que os que acostumamos a dar para definir a situação revolucionária. Dito de outro modo, tem que ser menos que "uma tremenda crise do regime e um giro massivo da pequena-burguesia contra o regime". Partindo deste raciocínio, acreditamos que podemos dar duas definições provisórias (insisto no provisório, porque aqui estamos elaborando todos os dias): uma genérica, é um passo intermediário de uma situação contra-revolucionária ou não-revolucionária a uma revolucionária; outra estrutural, uma colossal crise política e econômica do regime. Talvez também caiba a de um giro massivo da pequena-burguesia à revolução, ainda que não haja uma colossal crise do regime.
Voltando a Lenin, diríamos "é quando os de cima já não podem, e se podem os de baixo não querem".

Situação e crise revolucionária
É nossa opinião genera1izada que no Brasil faz já por volta de um ano que "os de cima não podem e os de baixo não querem". Concretamente, faz mais de um ano que o regime de Figueiredo está em crise política e o regime capitalista brasileiro está em crise econômica. Ambas as crises têm sido cada vez mais agudas e, ao mesmo tempo, há um giro cada vez mais massivo da população para a oposição e enfrentamentos ao regime de Figueiredo. Por isto definimos a situação como revolucionária porque se só houvesse uma crise do regime seria pré-revolucionária.
Vocês definem situação revolucionária "quando o governo perde totalmente o controle da situação". Se ocorre, como ocorreu neste último ano no Brasil, que existe uma crise brutal do regime e a população se volta massivamente contra ele, mas o governo não perdeu ainda o controle total dos acontecimentos, para vocês não há situação revolucionária. 
Para nós sim.
Esta diferença se transfere à questão da crise revolucionária. 
Para nós, quando "se perde o controle da situação" não estamos simplesmente ante uma situação revolucionária, mas ante uma crise revolucionária. E isso é o que ocorreu desde a manifestação do Rio de Janeiro.
Segundo a vossa descrição, depois da votação no Parlamento, o governo saiu muito pior que antes da votação e que antes da mobilização. Se fossem conseqüentes, deveriam escrever que o governo "continua perdendo o controle da situação". Mas se a todo o processo que vai desde a manifestação do Rio até o presente, o definem como "situação revolucionária", não vão encontrar nada que se possa definir como crise revolucionária. Porque precisamente, crise revolucionária é quando se perde totalmente o controle da situação. 
Justamente por isso não pode durar muito tempo, semanas ou, no máximo, dois ou três meses. Ainda que seja possível que tenhamos também que modificar esta afirmação e que haja crises revolucionárias muito prolongadas, talvez como o que está acontecendo na Bolívia.

A revolução começou no Rio de Janeiro

Opinamos que a partir da grande manifestação no Rio houve no Brasil uma crise revolucionária. Esse dia, para usar a famosa frase de Trotsky referindo-se à greve geral com ocupação de fábricas na França, "começou a revolução brasileira". Como vocês podem ver, encontramos um paralelismo muito grande entre Brasil e Argentina, embora com um ritmo muito mais veloz em vosso país.
A partir da manifestação do Rio, começa a derrota do governo. Este sofre uma série de reveses - incluindo a própria votação, à qual nos referimos mais adiante - que o deixam destroçado.
Não sei se já se pode falar que o governo já foi derrotado, apesar de que suspeito que o foi. Usando uma fórmula muito cautelosa, que para mim é pouco em relação a realidade, como mínimo temos que dizer que a revolução triunfou na votação parlamentar.
O que vocês mesmos descrevem aponta neste sentido. Se situação revolucionária é quando se perde completamente o controle da situação, se essa situação se abriu a partir da manifestação do Rio, se depois da votação parlamentar essa situação é cada vez pior para o governo... isso significa que o governo perdeu o controle da situação de forma completa, absoluta, impressionante. Que nome damos a esse processo? .

Um esquema no lugar da realidade

Vocês aplicam um esquema à realidade e, como esse esquema não se dá, negam a realidade. Para vocês, crise revolucionária e triunfo da revolução era: greve geral, triunfo das diretas no parlamento e queda de Figueiredo. Não houve greve geral, não triunfaram as diretas no parlamento, não caiu Figueiredo. Portanto, para vocês não houve crise revolucionária nem triunfo da revolução, mas sim triunfo do governo.
Está claro que o ideal teria sido que ocorresse dessa maneira. Porém, esta seqüência ótima é justamente o que não se deu. O que não significa que, porque o nosso esquema não se deu, tenha sucedido exatamente o contrário: triunfou o governo e as massas foram derrotadas.
Uma vez mais lhes dou o exemplo de que tanto gostamos, da luta de boxe. O ideal, o ótimo seria que nosso boxeador ganhasse no primeiro round, no primeiro minuto da luta, por destruição física e nocaute do adversário. Nosso boxeador tem todas as condições para conseguir esse triunfo categórico mas, o diretor técnico, vendido ao adversário, evita com suas instruções traidoras o triunfo no primeiro round, mas não pode impedir que lhe dê uma surra. Portanto, o ótimo não se deu, mas é muito bom e saudável que nosso boxeador consiga impor outro esquema: primeiro round, ele dá uma surra no adversário; segundo round, lhe incha um olho e lhe tira sangue no nariz; terceiro round, lhe arrebenta uma costela; quarto round, o deixa "grogue".
Que definição daríamos da situação ao finalizar o quarto round? Se somos esquemáticos, diremos que o boxeador inimigo triunfa, porque o nosso não conseguiu, por culpa do diretor técnico, ganhar por nocaute no primeiro minuto do primeiro round. Mas a realidade seria o oposto: o adversário está recebendo uma tremenda surra e o nosso está ganhando de longe. .
Esta comparação serve para aclarar as contradições que existem entre a descrição que vocês fazem da situação e a definição a que chegam. Vocês mesmos dizem que Figueiredo saiu de seu aparente triunfo arrebentado, destruído, com uma crise cada vez mais aguda. E agregam que as massas avançaram muitíssimo subjetivamente: cada vez odeiam mais ao governo e ao Congresso, vaiam a Brizola, etc., ou seja, saem com um sa1do a seu favor. A descrição que vocês mesmo fazem é a de um boxeador, Figueiredo, que recebeu uma grande surra e outro boxeador que se sente cada vez mais forte e confiante, o movimento de massas. Mas essa pintura ou descrição só pode explicar-se se este último boxeador, embora não tenha destruído o seu inimigo no primeiro round, vem ganhando contundentemente um round atrás do outro.
É muito perigoso querer aplicar esquemas à realidade, em lugar de partir de um estudo objetivo da própria realidade para ver de que forma específica se dão nela as nossas definições. Na Argentina, por exemplo, houve uma grande discussão porque muitos companheiros opinavam que, como continuava governando um General, não havia acontecido nada, não havia acontecido crise revolucionária, nem havia situação revolucionária. Com o que aprendemos da Argentina, possivelmente se Figueiredo tivesse caído, embora sem greve geral, vocês teriam acertado em definir a situação e a crise. Mas como tampouco se deu o "esquema argentino", como continua Figueiredo e não outro militar, existe o perigo de que vocês confundam tudo: não houve crise revolucionária, Figueiredo não perdeu mas ganhou, etc.
Para nós é evidente que perdeu. Que saiu destruído de cada choque com o movimento de massas. E que a discussão é se somente está "grogui" ou, como é nossa impressão, seus homens já o abandonaram ou o árbitro parou a luta, ou seja, já perdeu, não por nocaute mas por nocaute técnico ou por abandono.

O fetichismo da greve geral
Nos parece que vocês fazem um fetiche da greve geral. De vossa análise se desprende que as Diretas não foram votadas e Figueiredo não caiu porque as direções traidoras frearam a greve geral.
É verdade que com uma greve geral quase seguramente caía Figueiredo e se votaria a emenda. Mas a relação não pode ser mecânica, não podemos dizer que era absolutamente seguro. O que sim é seguro é que com uma greve geral o governo teria ficado muito mais fraco e o processo revolucionário muito mais forte. Este processo teria dado um salto e, se obtivéssemos um triunfo, esse triunfo seria hoje muito mais categórico. Também é verdade que a greve coloca de forma imediata o problema do poder.
Mas fazer fetiche de greve geral, como fazem os sindicalistas revolucionários, é muito perigoso. A greve geral é uma ferramenta colossal do processo revolucionário, mas este não começa nem termina com ela. A greve geral é um método e uma consigna a mais, de enorme importância, evidentemente, do processo revolucionário.
No Brasil, como em muitos outros países, em vez de greve geral houve algo igualmente importante: uma manifestação de um milhão no Rio e outra de um milhão e meio em São Paulo. As duas manifestações foram enormes alavancas da luta de classes. O que é preciso discutir é se essas duas manifestações derrotaram o governo, embora, devido às direções burguesas e burocráticas do movimento operário, esses triunfos aparecem mediados, distorcidos.
Não entendemos porque vocês fazem uma diferença tão absoluta entre greve e mobilização nas ruas: se existe greve geral, tudo muda; se não há greve geral, ainda que haja grandes manifestações que modifiquem a situação, o governo continua triunfando. Às vezes as manifestações têm um êxito igual ou superior ao da greve geral. Por outra parte, a greve pode fracassar porque não está bem preparada, ou triunfar e ser traída. O Xá do Irã caiu fundamentalmente pelas mobilizações nas ruas, que se combinaram com a greve, mas as manifestações massivas cada vez mais imponentes foram o elemento determinante. Nos Estados Unidos não houve nenhuma greve geral, mas as grandes manifestações provocaram um dos giros mais espetaculares da luta de classes quando obrigaram ao imperialismo norte-americano a retirar-se do Vietnã, sofrendo a primeira derrota militar da sua história.
Acreditamos que as manifestações do Rio e de São Paulo - acompanhadas pelo resto das cidades - tiveram o efeito de uma greve geral triunfante. Significaram o começo da derrota do governo e uma vitória colossal do movimento de massas. E que essa derrota e essa vitória se manifestaram na própria votação parlamentar.

A derrota do governo e o triunfo das massas no Parlamento

Com relação à votação da emenda, acreditamos que vocês voltam a aplicar um esquema e por princípio de identidade: aprovação da emenda é igual a triunfo das massas e derrota do governo; não votação da emenda é igual a derrota das massas e triunfo do governo. Mas a primeira verdade não implica que o oposto é verdadeiro: se bem é certo que a aprovação da emenda era um triunfo completo evidente das massas, não o é o fato de que se não fosse aprovada era necessariamente uma derrota das massas e um triunfo do governo.
Esta análise simplista e por princípio de identidade (se A é igual a B, não A é igual a não B), lhes impediu ver o que havia acontecido na realidade com o mecanismo eleitoral concreto. Não perceberam que esse mecanismo eleitoral expressou distorcidamente o colossal triunfo do movimento de massas e a derrota do governo.
Se há, por exemplo, uma votação no Senado, onde a terceira parte é biônica, e para ganhar é necessário dois terços dos votos, e "só" se conseguiu 60%... Quem ganhou e quem perdeu? De acordo com vocês, ganhou o governo, porque não se conseguiu os dois terços dos votos. Mas uma análise concreta, marxista, indicaria que é uma derrota total do governo - ainda que não tenha triunfado a moção da oposição - porque esses 60%, se tiramos os biônicos, expressa que no mínimo uns 85% da população está contra o governo o que se demonstra muito distorcidamente no fato de que perto de 90% dos senadores eleitos, não biônicos, votaram contra o governo.
Algo parecido aconteceu na Câmara de Deputados. A emenda não foi aprovada não porque uma grande quantidade de deputados votasse a favor do governo, mas pelo contrario: só uma pequena minoria dos deputados votou a favor do governo, enquanto uma maioria esmagadora votava contra.
O fato espetacular que vocês não medem em toda a sua importância é que a votação divide duas épocas na política brasileira. Antes da votação havia dois blocos políticos no país. Depois da votação se rompeu para sempre o bipartidarismo. Entre os deputados não houve dois blocos mas três: um opositor ao governo, amplamente majoritário; outro que continua alinhado junto ao governo, esmagadoramente minoritário; e um terceiro bloco, constituído por um alto número de deputados, que fugiu da Câmara para não votar nem a favor nem contra.
O surgimento deste bloco centrista é um elemento determinante da nossa análise da nossa análise da votação. Porque era governamental e deixou de sê-lo. Ainda que não tenha chegado a votar com a oposição contra o governo, essa é sua dinâmica. Precisamente por isso, a emenda, apesar de conseguir uma amplíssima maioria na Câmara, não conseguiu os dois terços que poderia dar-lhes o triunfo. Mas o fato de que tantos seguidores do governo tenham rompido com ele é a expressão superestrutural de que está totalmente em crise.
A votação deixou o governo completamente no ar. Ficou demonstrado que perdeu quase todo o apoio que ainda tinha nas últimas eleições e que se reflete em que o bloco governamental de deputados é, hoje, o terceiro bloco em influência. Agora o seu destino depende de para onde vai o novo setor centrista que, se se junta com a oposição, pode dar-lhe jaque mate. E isso o obriga a negociar de forma imediata, sem nenhuma garantia de que possa impor nada nessas negociações. A votação, ao deixá-lo em esmagadora minoria e provocar a ruptura do seu bloco, de fato liquidou o governo, expressando na superestrutura e de forma distorcida o triunfo que o movimento de massas havia conquistado nas ruas.

Não coloquemos datas às revoluções por enquanto

Este método de tratar de aplicar esquemas à realidade chega a extremos um pouco graves no caso de vocês. Dizem, por exemplo, que "a forma assumida, de votação da emenda, marcaram uma data para a revolução do Brasil, ao contrário da Argentina e Bolívia" (Doc. de 28 de abril, pág. 2). Tememos que, para vocês, a revolução só podia explodir numa data fixa, que era o dia da votação da emenda. De tudo o que dizem, se desprende também que era uma data fixa para a greve geral.
Dito de outro modo, para vocês a revolução só se podia dar no dia da votação da emenda e com uma greve geral. Como isso não aconteceu, a revolução não se deu.
Faço um alerta sobre este método errado. Isso de impor datas e normas à revolução expressa uma aspiração, um desejo: derrubar o adversário no primeiro round. Mas não serve. Nos impede de ver a realidade, o ritmo próprio da luta de classes e, portanto, adequar a ele nossas palavras-de-ordem e nossa política.

.As perspectivas imediatas

Este intercâmbio de opiniões sobre a definição da situação brasileira não são inúteis: delas surgem os prognósticos sobre a perspectiva imediata.
Da caracterização que fazem, vocês tiram um prognóstico correto: é quase certo que vai continuar a crise do governo. Mas, agregam, não está descartado que se dê uma situação como a chilena, com um Pinochet que resiste aglutinando ao seu redor os setores mais duros e reprimindo violentamente o movimento de massas, embora não seja a perspectiva mais provável
De nossa análise, em troca, surge claramente que não se pode dar no Brasil nada parecido ao Chile. Pinochet resiste violentamente porque ainda não foi derrotado. A situação brasileira superou amplamente a chilena pelo avanço da revolução. Para nós, a ditadura já foi derrotada ou está a caminho de sê-lo inexoravelmente, a partir das manifestações e da votação parlamentar.
Deixemos de lado, no momento, se isto significa que já caiu. Estas duas derrotas fizeram com que a situação escapasse totalmente das mãos do governo e que este se veja obrigado a negociar.
Por isso insistimos em que a situação era igual a da Argentina, mas muito mais dinâmica. A atual etapa no Brasil é similar a da Argentina quando entrou em crise Galtieri e se discutia a sucessão. Os militares estão negociando com os partidos burgueses e a burocracia para ver como assimilam a derrota do governo e para evitar que o movimento revolucionário das massas continue se desenvolvendo. Estamos na etapa da negociação com a "Multipartidária". Por isso acreditamos que vai primar a negociação, e com um objetivo bem preciso: como se dosifica a derrota do governo.
Esta discussão, se nós temos razão, tem muito a ver também com a moral da classe operária. É diferente dizer-lhe que saiu derrotada ou dizer-lhe que conseguiu muito, inclusive a derrota do governo, se isto for verdade, já que o feio seria mentir-lhe. Se se acerta que suba um presidente negociado para que chame as diretas dentro de um ou dois anos, é preciso dizer aos trabalhadores que essa é uma conquista colossal que eles obtiveram com suas mobilizações nas ruas. E, ao mesmo tempo, que estão tratando de roubar-lhes ou administrar-lhes esse grande triunfo, utilizando para isso a traição da burocracia sindical e dos partidos burgueses.
Devemos explicar às massas que com esta conquista revolucionária fizeram voar pelos ares todos os planos da ditadura, que pretendia continuar seis anos mais (um ano que lhe falta a Figueiredo mais cinco anos de um novo mandato). E que o governo não controla absolutamente nada.

As palavras-de-ordem e o programa

Esta discussão não é inútil, já que tem importância para precisar nossa política. Se não me engano, a partir da votação no parlamento, vocês incorporaram várias novas palavras-de-ordem no vosso programa: Não à negociação-traição; não à postergação da greve geral para quando se discuta a emenda Figueiredo; greve geral agora para derrotar o governo e conseguir as diretas. Estas palavras-de-ordem são a expressão de vossa política atual: atacam com virulência aos partidos burgueses opositores por querer negociar com o governo uma saída e não continuar lutando pelas diretas; denunciam a burocracia sindical por seguir os partidos burgueses e por postergar o chamado à greve geral para uma data indefinida, o dia da nova votação no Parlamento. Exigem da burocracia que fixe uma data imediata para a greve.
Por estar imersos nos acontecimentos, não tiveram tempo de ver como se ligam vossas novas palavras-de-ordem com a análise da situação.
Temos a impressão de que caíram um pouco no empirismo, levantando palavras-de-ordem sem clarificar suficientemente a situação e os resultados da votação no Parlamento.
Vemos uma contradição entre vossa análise da situação e vossa política atual. A chave do nosso programa e palavra-de-ordem deve partir da resposta a uma simples pergunta: desde a eleição parlamentar, a etapa mudou ou não? Para nós sim, de situação revolucionária pré-triunfo a pós triunfo. Para vocês não, já que tudo continua igual ou pior com a vitória "de Pirro” do governo.
É aqui onde aparecem graves contradições entre vossa análise, vossa definição implícita de que não há uma nova etapa superior provocada por um triunfo do movimento de massas, e vossa política e palavras-de-ordem. Estas são para uma etapa diferente e não para a mesma etapa, quando fazem centro na denúncia das negociações, na traição das direções, colocando greve geral para diretas já. Isto significa que não houve nenhuma derrota mas um colossal triunfo, ou vocês são uns irresponsáveis que propõem a greve geral de forma imediata depois de uma vitória do governo. É preciso saber se vocês estão contra umas negociações que se fazem para aprofundar uma derrota (então não cabe Greve Geral já!), ou para dosificar o triunfo (então sim cabe a greve geral para o dia seguinte).
Porque, se como vocês dizem o governo triunfou no Parlamento, tem razão a burocracia em adiar o enfrentamento com aquele para uma data mais distante e é correta sua linha de derrotar primeiro a contra ofensiva de Figueiredo. Se houve triunfo do governo, existe inevitavelmente uma contra ofensiva do mesmo. Justamente, essa deve ser a explicação que dão a burguesia opositora e a burocracia: fazemos o que pudemos para triunfar na votação, mas, infelizmente, o governo conseguiu nos derrotar, embora mora1mente triunfou o povo. Aproveitemos esse triunfo moral para pactuar com o governo. A burocracia pode utilizar argumentos mais sofisticados, como a "traição da oposição” e variantes pelo estilo, para chegar à mesma conclusão: "de imediato não se pode fazer nada”. Um bom 'marxista trata de ver a realidade tal como ela é. Se na votação parlamentar houve um tropeção objetivo do movimento de massas, a grande tarefa é frear o governo e recuperar-nos do mesmo. Se assim fosse, a burocracia com seus m6todos equivocados está certa e não podemos denunciá-la como traidora, mas sim por uma condução burocrática de uma posição correta: adiar a greve geral.
Nós acreditamos que as palavras-de-ordem que vocês levantam hoje são um tremendo golaço, mas só têm base de sustentação na nossa análise: as massas com sua mobi1ização obtiveram uma vitória atrás da outra, e a última foi a votação no Parlamento, o que mudou a etapa. É necessário continuar com a mobilização e não detê-la para negociar. Um empurrãozinho mais e não ficam nem rastros da ditadura militar.
Se nossa definição de que a revolução já começou no Brasil ou que a revolução democrática já triunfou é correta; se o governo já foi derrotado ou sua derrota já começou, são necessárias novas políticas, programa e palavra-de-ordem. De forma empírica, vocês refletem esta necessidade ao levantar essas novas palavras-de-ordem que já comentamos. Mas isto não é suficiente. Uma nova etapa requer um novo programa.
Para nós, o programa para esta nova etapa tem vários eixos. O primeiro e fundamental é que deixa de ser ou começa a deixar de ser o eixo do nosso programa o "abaixo a ditadura e diretas já". Começam a ter muito maior peso as palavras-de-ordem diretamente de transição, de tipo econômico e político. Estamos assentados sobre duas políticas que é preciso combinar, mas superando a velha. O maior peso do nosso programa atual passa a ser nossa proposta positiva de governo. E essa palavra-de-ordem central não pode ser outra que governo do PT e das duas centrais operárias. Até a votação no Parlamento, nossa proposta era greve geral para conseguir as diretas e derrubar o governo. Agora é preciso mudar radicalmente e o chamado à greve geral é preciso ser feito como tática para conseguir a grande palavra-de-ordem estratégica de governo do PT e das centrais sindicais.
Como sempre, toda definição nova e todo novo programa os formulamos em base ao nosso método de tratar de prever a possível perspectiva dos futuros acontecimentos. Assim como no ano passado insistimos em que havia que deixar em segundo plano a palavra-de-ordem frontal de "abaixo o governo" pela de "Diretas já", porque por esta última ia passar a luta e as mobi1izações de massas contra o governo, hoje devemos fazer um prognóstico parecido. As massas irão abandonando ou já estão em vias de abandonar, a luta pelas diretas. O mesmo vai começar a acontecer com a luta por derrubar Figueiredo. Isto se deve a duas razões: a primeira é que mudou a etapa com a derrota total do governo; a segunda é a traição das direções, que vão imbuir as massas de que o que se conseguiu é suficiente, que a ditadura está liquidada a prazo fixo, que em dois ou três anos haverá eleições diretas para presidente e não em seis, como queria a ditadura. Que o próximo presidente se comprometeu com um interregno democrático. As massas, a contragosto ou não, vão aceitar esta situação. Porque um fator decisivo da multitudinária mobilização pelas diretas foi o fato de que todas as direções burguesas e operárias opositoras terminaram chamando à mobilização. Sem esse chamado a mobilização teria sido mais fraca e dificilmente se teria derrotado o governo. Hoje as direções se conformam com o triunfo alcançado, lhes parece suficiente e agora vão chamar à tranqüilidade. Este também é um novo fato da realidade de importância decisiva. Por isso chamam a greve para as calendas parlamentares. Por isso nossa palavra-de-ordem central de governo do PT se torna ultrapropagandística, já que não está aberta uma combinação de circunstâncias tão favorável, como na etapa anterior, que nos permitia definir uma palavra-de-ordem mobilizadora de caráter nacional.
Temos que levar ao primeiro plano a luta contra a crise econômica, as demissões e a miséria. Devemos centrar o ataque no regime político e econômico, priorizando o nosso velho programa transicional. E unir tudo isso à palavra-de-ordem de governo do PT e das centrais sindicais, e a uma política de chamamento e pressão sobre as direções políticas e sindicais da classe operária.
A outra palavra-de-ordem central da etapa continua sendo a de greve geral enlaçada com poucas reivindicações. Nesta etapa acreditamos que com as salariais ou contra o FMI e pelo não pagamento da dívida.
É preciso estudar como se combinam estas palavras-de-ordem de governo operário com a de assembléia constituinte. Também é preciso ver (não conheço a legislação brasileira) se não devemos levantar: fora os biônicos do Senado!  Renuncia imediata dos biônicos! Eleições diretas sem biônicos! Esta poderia ser uma palavra-de-ordem intermediária entre Assembléia Constituinte e Diretas para Presidente, já que seria Eleições diretas para todos os senadores! Seria uma palavra-de-ordem separada da Constituinte e de aplicação imediata de grande importância e muito simples de explicar ao movimento de massas. Poderia adquirir importância se, como eu creio, a burguesia for acertando a questão das diretas colocando-lhe uma data fixa a dois anos ou algo pelo estilo.

O nível de consciência das massas

Tenho a impressão de que vocês, assim como diminuem os êxitos objetivos do movimento de massas e a derrota do governo, são exageradamente otimistas no terreno subjetivo, quanto ao avanço de sua consciência. Vocês acreditam que as massas já odeiam ao Congresso e aos dirigentes burgueses opositores. Sublinham, por exemplo, que as massas vaiaram a Brizola porque não estava a favor da greve geral.
Estamos completamente de acordo em que as massas não acreditam mais no governo. É um avanço quantitativo, porque já antes não acreditavam nele. Mas ainda que vocês não o digam, se deduz que opinam que houve um avanço qualitativo na consciência das massas com relação aos organismos e partidos burgueses; repudiam o Congresso, um milhão de pessoas vaiam a Brizola; rompem de fato com as instituições e direções burguesas “democráticas” e continuam avançando em direção a um grande partido de massas, de tipo classista. No documento dizem: “o PT e a CUT têm influência de massas (ou estão em vias de transformar-se). (pág. 5). No Boletim Interno posterior avançam mais: "é bastante provável que o PT passe a ter um peso de massas espetacular a partir daí (já é de massas neste momento e ampliará qualitativamente a sua influência)". O fato de que tenham avançado praticamente até o final em poucos dias, indica que vossa posição é cada vez mais coerente.
Nós temos algumas dúvidas de que o salto na consciência das massas seja tão espetacular. Acreditamos que deram um salto importante, mas não até o grau de repudiar massivamente aos partidos e instituições da democracia burguesa (...).
Bom, camaradas, espero que nossas observações lhes sirvam para algo, e que nos demonstrem que quem está errado somos nós, se não os convencermos. Enquanto isso, saibam que acompanhamos vossa intervenção, desenvolvimento e luta por construir um grande partido com influência de massas, com admiração.
Saudações fraternais trotskistas
Nahuel




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