sábado, 28 de janeiro de 2012

COMO É, TORQUATO


você também se foi
"desafiando o coro dos contentes do seu tempo"
como eu dizia nos bons tempos de 68
sousândrade no ouvido
(estrofe 61 do inferno de wall street)
mas logo agora
alguns dias depois que o velho pound se foi
deformado e difamado
pela cozinha litero-funerária dos jornais
por um erro
entre tantos acertos
neste deserto
com tantos lite-ratos dando sopa
se vendendo por um lugar ao sol
você deu as costas ao lugar e ao sol
proclamo mas reclamo
a morte nos fez mais um falseta
mas não pensem que isto é um poema
só porque estou cortando as linhas
como faziam os poetas
isto é apenas uma conversa no deserto
parte da conversa que a gente não teve em 4 anos
vou falando e parando onde devo parar
seria fácil glosar tuas próprias letras
cheias de tantas dicas de adeus
adeus vou pra não voltar
a vida é assim mesmo
eu fui-me embora
eu nunc mais vou voltar por aí
difícil é conversar agora
você sabe há tanto tempo a gente não se via
fui ouvir de novo as tuas coisas
"louvação"& "rua"
no primeiro lp de gil
"zabelê" & "minha senhora" (com gil) & "nenhuma dor"
(com caetano) no primeiro lp de caetano e gal
"domingou" & "marginália II"
no primeiro disco tropicalista de gil
& "mamãe coragem"com caetano (gal cantando)
tão grandes quanto antes
& "a coisa mais linda que existe"
(com gil) no lp de gal (1969)
& "ai de mim copacabana" num compacto com caetano
meu estoque termina aí
(não tenho o "pra dizer adeus")
e recomeçava com macalé
let's play that
uma obra – filho – e algumas primas
você olha nos meus olhos e não vê nada
não "não posso fazer troca
na boca uma lasca amarga"
mas também não quero repetir a conversa de maiacóvski
com iessiênin (é muito arriscado)
estou pensando
no mistério das letras de música
tão frágeis quando escritas
tão fortes quando cantadas
por exemplo "nenhuma dor" (é preciso reouvir)
parece banal escrita
mas é visceral cantada
não é a palavra falada
nem a palavra escrita
a altura a intensidade a duração a posição
da palavra no espaço musical
a voz e o mood mudam tudo
a palavra-canto
é outra coisa

     nha       mo     da
mi         na       ra       tem
                                           se      dos
                                               gre
etc
&
minha amada idolatrada
salve salve o nosso amor
já antecipava os antihinos
salve o lindo pendão dos seus olhos
como você diria depois
mas você tem muito mais
um poeta só um poeta tem linguagem pra dizer
eu quero eu posso eu quis eu fiz
feijão verdura ternura e  paz
tropicália bananas ao vento
um poeta desgolha a bandeira
agora você se mandou mesmo
pra não mais voltar
(deixe que os idiotas pensem que isto é poesia)
nem a são paulo nem a esta
espaçonavelouca chamada terra
tenho saudade
como os cariocas
do tempo em que sentia
sim a euforia se foi a alegria
era a prova dos nove
mas fomos todos reprovados
VAI BICHO
nós por aqui vamos indo
naviloucos
poucos
ocos
um beijo preso na garganta
no doce infelicídio da formicidade
DESAFINAR
medula & osso
O CORO DOS CONTENTES
com geléia até o pescoço


augusto de campos

Nenhum comentário:

Postar um comentário